quinta-feira, 26 de julho de 2007

O CULTO DO FALO

A comunidade homossexual pode ser dividida em dois grandes grupos etários: os mais novos que têm uma vida sexual activa e os mais velhos que perderam os seus atractivos sexuais. Esta diferenciação etária é mais aparente do que real, uma vez que o culto fálico supera qualquer diferenciação etária ou mesmo ideológica, homogeneizando a comunidade gay. O culto fálico pode ser reduzido a um único enunciado: «O homossexual masculino procura “pilas” e não pessoas. Quantas mais “pilas” conhece mais “pilas” deseja conhecer»: eis aqui o seu «vício». Como mostram as entrevistas de Nancy Friday (1981) ou mesmo as de Shere Hite (1991), todo o imaginário homossexual está impregnado de figuras falocráticas. As suas fantasias, a suas mentalidades, as suas visões do mundo, as suas conversas e os seus comportamentos estão completamente impregnados de imagens e de figuras falocráticas. É evidente que um homossexual é, pelo menos teoricamente, mais que um ser dotado de pénis que só aprecia pénis, mas, na realidade, os homossexuais reduzem toda a sua vida ao culto do pénis.
Convém esclarecer que o culto fálico não se restringe apenas ao mundo homossexual e que nem todos os homossexuais prestam esse culto ao pénis. O culto fálico está presente em todas as culturas humanas conhecidas desde os tempos mais remotos da história do homem (Cf. Dulaure, Jacques-Antoine, 1998). Daí que se possa estabelecer alguma relação entre o culto do falo e a hipótese mais ousada elaborada por Heusch: a natureza homossexual das relações sociais. De facto, a semiótica do falo mais não é que uma programação filogenética que, no homem, «sofreu» a moldagem das diversas culturas.
Nas sociedades contemporâneas, o culto do falo insere-se num outro culto muito mais generalizado: o culto do sexo. Não são só os homossexuais masculinos que praticam o culto do sexo na sua forma falocrática; as lésbicas também praticam o seu culto: o culto da vagina. Como diz frequentemente a Isa: «As conversas das primas conduzem-nos sempre às cuequinhas». Uma precisão linguística: na linguagem homossexual, «primas» significa todos os homossexuais masculinos e femininos e «cuequinhas» refere-se a qualquer assunto relativo ao sexo. Todas as conversas entre homossexuais incidem sobre o sexo e as restantes temáticas são sempre abordadas sob «o ponto de vista das cuecas». Aliás, «o ponto de vista das cuecas» não é específico apenas dos homossexuais; ele é muito popular entre os diversos sectores da sociedade portuguesa, insinuando-se por todos os lados, nos comportamentos, nas mentalidades e até mesmo nos ideais, valores, preferências ou gostos. Ortega y Gasset escreveu que a nossa época era a «época do mancebo», já que está centrada sobre o culto do corpo masculino.
Nestas circunstâncias de obsessão sexual total, o culto da masculinidade acaba por reduzir-se ao culto fálico. No universo homossexual masculino, a masculinidade e a virilidade de um homem medem-se pelo tamanho do seu pénis e pela potências das suas erecções: um indivíduo masculino é aquele que possui um pénis «grande e grosso»! É natural que se coloque a seguinte questão: Porque razão os homossexuais masculinos preferem os pénis «grandes e grossos»? A resposta não é tão simples quanto parece à primeira vista, uma vez que o elemento ideológico não é facilmente descartável da realidade. A maior parte dos homossexuais são unânimes na resposta: além de ser um sinal de virilidade e de potência sexual, um pénis «grande e grosso dá mais prazer que um pénis pequeno e fino».
Se levarmos em conta o facto de muitas mulheres heterossexuais, apesar de «delirarem» com pénis grandes, preferirem «pénis médios» para efeitos sexuais, a preferência homossexual masculina poderá parecer surpreendente e até mesmo inusitada. Dada a natureza muscular do ânus, assim como a sua função originária, um pénis «grande e grosso» parece ser um inconveniente pouco desejável, uma vez que pode provocar rupturas anais; pelo menos, esta é a dúvida daqueles que ainda não experimentaram a prática do coito anal. Contudo, subjacente a esta preferência pelos pénis «grandes e grossos», está a imagem de penetrações anais profundas e «agressivas». O senso comum gay clarifica a dialéctica da preferência pelos pénis «grandes e grossos»: quer se trate de um pénis pequeno, médio ou grande, a penetração anal é, na maior parte das vezes, difícil, sobretudo quando não se tem experiência sexual. A sua consumação exige não só uma posição sexual adequada, como também tentativas graduais de penetração, previamente preparadas pela estimulação anal e pelo uso de produtos específicos (vaselina, cremes…) ou de saliva, colocados à volta da glande do pénis do introdutor e no orifício anal do receptor. Uma vez introduzido o pénis no ânus, a cópula anal desenrola-se sem dificuldades, proporcionando o «máximo de prazer». Se o pénis for «grande e grosso», o coito anal proporciona «mais prazer», tanto ao receptor como ao introdutor: «as sensações são mais fortes». Com efeito, o receptor «sente mais intensamente os movimentos do pénis do seu parceiro» e o introdutor, ao se sentir «mais estimulado pela aderência das paredes do canal anal em torno do seu pénis», tem muito mais prazer, podendo por isso «controlar melhor o ritmo dos seus movimentos pélvicos e sintonizar o seu prazer com o prazer que está a proporcionar ao seu parceiro».
Anatómica, fisiológica e psicologicamente falando, não há nenhuma objecção a fazer à preferência dos homossexuais pelos pénis «grandes e grossos».
O imaginário fálico está intimamente ligado ao imaginário da penetração anal.
A classificação homossexual dos diversos tipos de pénis é muito pouco sostificada quando comparada com a que é apresentada pelo Dr. Dudley S. Danoff (1998). Atribuindo uma personalidade ao pénis, Danoff classifica as personalidades dos pénis em positivas e negativas. As personalidades positivas de pénis compreendem as personalidades do pénis perceptivo, do pénis persistente, do pénis-para-toda-a-obra, do pénis pensativo, do pénis filantrópico, do pénis pacífico, do pénis pioneiro, do pénis brincalhão, do pénis precoce, do pénis apaixonado e do pénis prodigioso. As personalidades negativas de pénis abrangem as do pénis miúdo, do pénis pessimista, do pénis petulante, do pénis promíscuo, do pénis fóbico, do pénis exigente, do pénis bate-estacas, do pénis pervertido, do pénis pomposo, do pénis profissional, do pénis substituto de emergência, do pénis devoto, do pénis sonhador, do pénis farmacêutico, do pénis zangado, do pénis queixoso, do pénis medíocre, do pénis político, do pénis cansado, do pénis preocupado, do pénis paranóico, do pénis mimado, do pénis procrastinador, do pénis pródigo, do pénis possessivo e do pénis pornográfico. É certo que os homossexuais masculinos têm uma concepção fetichista de si mesmos, mas não foram tão longe quanto o urologista Danoff: em vez do eu e o seu pénis, temos nesta visão reificadora do sexo masculino o pénis e o seu eu. O culto fálico é praticado não para valorizar a masculinidade do eu mas para mortificar o eu que desaparece na personalidade do pénis.
(Fragmento da etnografia das homossexualidades portuguesas)
J FRANCISCO SARAIVA DE SOUSA

2 comentários:

E. A. disse...

Interessante texto. Li-o agora e vem ao encontro do livro que lhe recomendei ontem. :)

Fiquei curiosa sobre que evidências ou critérios o Sr. Danoff parte para identificar as personalidades dos pénis... mas parece que coincide com a voz popular: que "os homens pensam com a cabecinha de baixo."

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Danoff tem uma Clínica Sexual... Diz algumas coisas curiosas mas os livros dele são mais dirigidos para grandes audiênciias: um prolongamento da publicidade da clínica.