quarta-feira, 31 de outubro de 2007

Opinião Pública e a Espiral do Silêncio

Walter Lippmann (1922) descobriu, no seu livro «Public Opinion», que a observação dos factos e dos eventos é filtrada, inclusive moralmente, por pontos de vista selectivos, pontos de vista orientados por estereótipos ou códigos. As pessoas vêem o mundo tal como este se reflecte na «opinião pública» e as avaliações morais são canalizadas por estereótipos, ficções e símbolos carregados de emoções. As pessoas vivem, portanto, num mundo limitado por estes «preconceitos» difundidos pelos mass media, com os quais fazem face à complexidade, à grandeza e à fugacidade do mundo.
Embora trate da opinião pública, Lippmann não oferece nenhum conceito de opinião pública, limitando-se a mostrar como se transmite e como se impõe a opinião pública. O estereótipo, seja negativo ou positivo, é tão conciso e tão pouco ambíguo que possibilita a todas as pessoas saber quando devem falar e quando devem ficar caladas. Por isso, é indispensável para pôr em andamento os processos de conformidade social.

No seu livro «The Spiral of Silence», Elisabeth Noelle-Neumann (1984) apresenta uma teoria da opinião pública, elaborada a partir de um acto eleitoral (1972). Chama-se «hipótese da espiral do silêncio», que vou reformular nestes termos: Num debate público sobre determinado tema, as pessoas expressam abertamente e defendem com confiança os seus pontos de vista. As que recusam a perspectiva dominante (aquela que parece ter mais apoio explícito) sentem-se marginalizadas e, frequentemente, retiram-se e calam-se. Esta inibição faz com que a opinião que recebe apoio explícito pareça mais forte do que é realmente, e a outra, mais débil. Num processo em espiral, o ponto de vista mais visível e explicito acaba por dominar a cena pública e o outro desaparece da consciência pública, devido ao facto dos seus apoiantes ficarem silenciosos, por terem medo do isolamento. Aliás, na peugada dos estudos de Solomon Asch, Noelle-Neumann defende que o medo do isolamento é a força que põe em marcha a espiral do silêncio, mas é provável que outros programas filogenéticos contribuam para a produção desse efeito.

Esta hipótese da espiral do silêncio tem sido muito debatida e qualquer programa de teorias da comunicação social aborda esta teoria da opinião pública, como se ela resistisse a todos os testes empíricos que possam ser imaginados para a refutar. Mas, mesmo ao nível da mera argumentação racional, a teoria de Noelle-Neumann mostra-se fraca quando confrontada com a «Mudança Estrutural da Esfera Pública» de Jürgen Habermas. Noelle-Neumann encontra no passado muitos autores que corroboram muitas das suas teses, tais como Hobbes, Tocqueville, Rousseau, David Hume, John Locke, Lutero, Maquiavel, John Hus ou mesmo os escritores da Antiguidade Clássica. Para todos os efeitos, tem o mérito de possibilitar encarar a opinião pública como uma espécie de tirania da maioria, contra a qual nos devemos proteger e lutar para que a democracia saiba defender-se dessa tirania mediada e imposta pelos mass media tradicionais. Isto é o liberalismo político defendido por Stuart Mill:

«Não basta, portanto, a protecção contra a tirania do magistrado: carece-se também de protecção contra a tirania da opinião e do sentimento dominantes, contra a tendência da sociedade a impor, por outros meios além das penas civis, as suas próprias ideias e práticas como regras de conduta àqueles que divergem delas, e a estorvar o desenvolvimento e, se possível, impedir a formação de alguma individualidade em desacordo com os seus fins, compelindo todos os caracteres a imitar o modelo do dela. Há um limite na ingerência legítima da opinião colectiva sobre a independência individual; e achar esse limite e mantê-lo contra a usurpação é tão indispensável para o bom andamento dos negócios humanos como a protecção contra o despotismo político».

Trata-se efectivamente de uma concepção política da liberdade e, tal como afirma Hannah Arendt, não vejo outra concepção alternativa ou outro espaço em que posso ser livre a não ser no espaço público. Os luso-corruptos odeiam visceralmente o liberalismo político: o poder judicial ou, como diz Stuart Mill, a tirania do magistrado, bem patente no caso Apito Dourado ou no abuso das escutas telefónicas, deve ser limitado, nomeadamente pelo poder legislativo. Mas, como sabemos, em Portugal, o direito é a arma dos poderes luso-corruptos instituídos e nem sequer os bancos privados que seguem aparentemente um modelo anglo-saxónico de gestão escapam à regra latina.

J Francisco Saraiva de Sousa

Stuart Mill: O Liberalismo Político

Os meus amigos online que não me conhecem offline devem estar a pensar que sou marxista, como se ser marxista fosse um pecado. Isto faz-me lembrar um professor de história que me disse que era «marxista por acidente». Ele via-me como um «burguês» (sic: sou mais elitista do que burguês!) inteligente e intelectualmente forte, forçado a admitir a «força da verdade» do materialismo histórico, mas não muito empenhado pela chamada luta política do proletariado. A verdade é que eu continuo a pesquisar e ele converteu-se num funcionário público que aguarda a segurança da sua reforma. Os homens de Esquerda, sobretudo aqueles que viveram o 25 de Abril, são actualmente homens resignados e profundamente conservadores, muito semelhantes aos «carrascos» que denunciaram durante o processo revolucionário.
Mas o meu professor de história, embora fosse relativamente inteligente, nunca se apercebeu que eu fazia outras leituras: lia John Stuart Mill e Alexis de Tocqueville, lia Max Weber e Émile Durkheim, lia Raymond Aron e Oswald Spengler, enfim até já tinha lido Hitler. Contudo, como ele era «marxista adulterado», lia mais os marxistas, nomeadamente Maurice Dobb e Paul Sweezy, Ernst Mandel e Paul Baran, Oskar Lange e Joan Robinson, Murray Wolfson e Robert L. Heilbroner, para o confrontar e testar no seu próprio terreno e mostrar que a sua leitura de Marx era muito redutora e economicista, ao mesmo tempo que recorria a outros autores liberais e marxistas para defender o indivíduo e restituir-lhe a liberdade. No máximo, o meu suposto marxismo era profundamente liberal e um pouquito individualista, mas não teoricamente humanista, tal como tinha aprendido com Althusser ou mesmo Adorno. Entende-se agora o sentido da expressão «marxista por acidente». Liberalismo e justiça social dificilmente casavam na cabeça do meu professor. Mal ele sabia que lia Sombart e Schumpeter e... tudo o que me atraia.
Numa escola «vermelha», tinha de ser «maquiavélico» mas sem perder a minha identidade pessoal e teórica. John Stuart Mill, o pai do liberalismo político, alertava-me para a defesa da minha liberdade e individualidade contra a tirania da maioria situada mais a esquerda do PCP. Herbert Marcuse ensinava-me a ser rebelde: uma subjectividade rebelde que, embora dissidente, sabia conjugar individualidade, liberdade e justiça social. A frequência desta literatura diversa, aliada a minha pequena luta pela sobrevivência num meio hostil e mesquinho, protegeu-me sempre do dogmatismo e fez de mim um homem liberto, sempre pronto a questionar e a aprender. No fundo, estou agradecido aos meus eternos «inimigos» que tudo fizeram e ainda fazem para apagar a minha estrela, mas sem sucesso: fornecem-lhe sempre mais hidrogénio...
Pensando neste episódio biográfico, e uma vez que já o accionei, com sucesso momentâneo, num seminário com uma turma de alunos que odiavam visceralmente o pensamento crítico, convido-vos a ler atentamente o «Ensaio sobre a Liberdade» de Stuart Mill, porque, se o tivessem lido e assimilado, não diriam as asneiras ditas aquando da publicação das figuras de Maomé e da liberdade de expressão. A propósito, conheci Maomé pela via dos grandes filósofos, de Schopenhauer a Weber, passando por Hegel e Marx. Spengler e Henri Pirenne abriram-me ainda mais os olhos. É recompensador ser filósofo e cientista atento à realidade em devir, mesmo quando se caminha sozinho num deserto, o da sociedade metabolicamente reduzida...
J Francisco Saraiva de Sousa

terça-feira, 30 de outubro de 2007

Georg Lukács: O Mestre

«História e Consciência de Classe: Estudos de Dialéctica Marxista» (1922) é a obra filosófica mais revolucionária do século XX. O seu autor é Georg Lukács. Não é uma obra acessível ao comum dos mortais, sobretudo dos mortais metabolicamente reduzidos à sua condição animal, que consomem ideias como consomem «fast food», sempre manipulados pela prática mediática de «agenda setting» e sem saber se são dotados de self ou de «cérebro gordo de mau colesterol».
Esta obra marcou profundamente o chamado «marxismo ocidental», como se a ex-URSS fosse um país não-ocidental ou como se o Ocidente fosse sinónimo de «mundo capitalista». (Os pseudo-jornalistas da SIC Notícias emitem sons nesse sentido!) Quem pensa assim é completamente néscio e não merece viver nas terras que abrigam o Ocidente. Várias são as personalidades que dão rosto ao marxismo ocidental. Os mais conhecidos são Jean-Paul Sartre, Maurice Merleau-Ponty e Lucien Goldmann. Os meus mestres da Escola de Frankfurt, em particular Max Horkheimer, Theodor W. Adorno, Herbert Marcuse ou mesmo Erich Fromm, bem como Ernst Bloch, merecem figurar nesse movimento que, apesar do actual ofuscamento espiritual, ainda continua vivo e pronto a assumir o comando do pensamento ocidental, isto é, da Filosofia e das Ciências do Espírito.
A obra de Lukács é composta por oito ensaios, dos quais destacamos: «O que é o marxismo ortodoxo?», «A consciência de classe», «A reificação e a consciência do proletariado», e «Mudança de função do materialismo histórico». Como não pretendo analisar a obra, limito-me a citar um texto «menor» de Lukács sobre a violência:
«A separação conceptual radical e mecânica entre violência e economia só pôde operar-se porque, por um lado, a aparência fetichista de pura objectividade nas relações económicas ocultou o seu carácter de relações entre homens e as transformou numa segunda natureza, envolvendo os homens nas suas leis fatais; e, por outro lado, a forma jurídica (também fetichista) da violência organizada faz esquecer a sua presença latente e potencial em e por detrás de qualquer relação económica. Com efeito, distinções como essa entre direito e violência, entre ordem e insurreição, entre violência legal e violência ilegal remetem para um plano recuado o fundo de violência comum a todas as instituições das sociedades de classes».
Este pequeno texto sobre a violência revela secretamente a teoria da reificação elaborada por Lukács, que, mesmo sem conhecer os escritos de juventude de Marx (1844), soube reconstruí-los, acentuando as suas raízes hegelianas.
Ora, o homem metabolicamente reduzido é levado a pensar que pensa por si, sem tutela, quando na verdade é manipulado e condicionado pela má publicidade para pensar aquilo que pensa: em vez de ser um homem autónomo, é um homem heterónomo, incapaz de pensar criticamente a realidade como uma totalidade em devir, de modo a poder transformá-la. Disso só são capazes aqueles indivíduos que sabem que, sem esforço, trabalho e sofrimento, não há conhecimento crítico. Estes encaram a realidade como uma totalidade em devir e não como uma série de fragmentos que se sucedem uns aos outros, aparentemente sem nexo, tal como são projectados pelas práticas de «agenda setting».
Mas, se continua a pensar que pensa pela sua própria cabeça, fazendo Kant estremecer no túmulo, desafio-o a decifrar este texto de Lukács e a iluminar o seu sentido, mas sem fazer batota. Se não o conseguir fazer sozinho sem recurso a outros e/ou a fontes exteriores, não se engane mais e coloque umas orelhinhas de burro até ser capaz de fazer parte integrante da sociedade do conhecimento crítico.
J Francisco Saraiva de Sousa

Contra o Centralismo de Lisboa

A resolução do Conselho de Ministros nº. 86/2007 prevê que verbas destinadas ao «Programa Operacional do Norte» possam ser utilizadas por Lisboa. Para tal efeito, basta considerar os projectos lisboetas como «muito relevantes para o desenvolvimento das regiões objectivo Convergência do Continente».
Este «perigo plasmado em lei» foi denunciado por Rui Rio, na qualidade de Presidente da Junta Metropolitana do Porto, que deu o seguinte exemplo:
«Se a Região Norte pretender construir um Pavilhão da Ciência e do Conhecimento, este será tido como uma infra-estrutura de interesse local, mas o mesmo pavilhão em Lisboa pode ser considerado de elevado interesse nacional».
A resolução governamental legaliza o «desvio de verbas»: o pavilhão em Lisboa pode ser financiado pelo PO/Norte. Como diz Rui Rio: «Portugal continua centralizado» e muito pouco transparente.
Nós, no Norte, estamos mesmo cansados de Lisboa, que destrói desde tempo imemoriais o capitalismo, o liberalismo, a democracia e a república, tal como sempre foram desejadas pelas gentes do Norte, em particular do Porto. A regionalização e a autonomia devem ser aceleradas. Sem elas não há futuro e o Norte fica depauperado pela Babilónia Lusa. Mas cuidado: os portuenses estão muito alheios à realidade e nem sempre são movidos pela racionalidade... «Made in Porto» não significa necessariamente qualidade!
J Francisco Saraiva de Sousa

Bloguismo e Jornalismo

A maior parte dos bloguistas nacionais tenta imitar o estilo jornalístico ou, pelo menos, usam os blogues para emitir notícias e frequentemente estabelecem hiperligações com os meios de comunicação tradicionais, nomeadamente com os sites de jornais. É provável que alguns bloguistas façam isso com o objectivo de virem a ser jornalistas profissionais, mas a verdade é que parecem não ter apreendido que a mediasfera e a blogosfera são dois mundos e dois sistemas completamente diferentes.
Além disso, esquecem que vivem em Portugal, um país pouco transparente e pouco admirador da inteligência. As ligações que estes bloguistas bajuladores estabelecem com os blogues de jornalistas ou de personalidades públicas nunca são recíprocas. Os bloguistas bajuladores parasitam em torno desses blogues-vedeta na esperança de conquistar maior visibilidade. Contudo, as figuras bajuladas são, como sabemos, luso-invejosas e, frequentemente, incompetentes, e, por isso, não têm tendência para fazer links. Julgam-se «acima da média nacional», quando na realidade temem a concorrência e a perda do seu medíocre monopólio.
Esta é a verdade nacional: um país de invejosos, porque pouco inteligentes, que usam a blogosfera, não como um «lugar da conversa sobre o mundo», mas como um território feudal onde publicam os seus «escritos» culturalmente reduzidos, na esperança de serem lidos por uma multidão de leitores subservientes. Tentam impor o modelo do jornalismo profissional à comunicação mediada por computador, em particular à blogosfera, inventando novas designações tais como ciberjornalismo ou jornalismo digital. Pelo menos, é assim que se auto-intitulam os bajuladores de Pacheco Pereira, que se comporta como se fosse o «senhor feudal» da blogosfera portuguesa. Esta atitude mostra que, em Portugal, o bloguismo não é uma grande oportunidade para o jornalismo.
J Francisco Saraiva de Sousa

Que é Feito do Espírito Crítico?

Portugal não existe, não pode existir!
Não sei de que matéria são feitos os portugueses, mas suspeito que foram abandonados por Deus aquando da criação: em vez de neurónios abundantemente interligados, receberam qualquer outro material que lhes veda o pensamento. Pensar é aquilo que os luso-cérebros não fazem, não porque não o queiram fazer, mas simplesmente porque não o podem fazer, como demonstraram os estudos de Joel Serrão sobre alguns dos mais representativos cérebros nacionais.
Os luso-cérebros emitem ruídos, intercalados por longas ausências: não as ausências indicadoras de pensamento, mas as ausências-vazios, aquelas que parecem indicar um profundo autismo abolidor do universo social. Olhares vazios, cérebros vazios, pensamentos vazios, emoções vazias: os portugueses mais parecem zumbis do que seres humanos vivos, empenhados num diálogo alargado com os outros e o mundo. Os portugueses não falam, gritam; os portugueses não fazem amor, executam um guião; os portugueses não conversam, isolam-se; os portugueses não pensam, repetem frases-feitas; os portugueses não vivem, pastam e consomem quando podem; os portugueses não encaram o futuro, escondem-se no presente sem passado; enfim, os portugueses são uma terrível desilusão e as novas gerações parecem ser piores que as anteriores, voltando atrás, sempre atrás, ao passado parolo reduzido a mero consumo e diversão. Mas os portugueses também não se divertem... Tudo é feio em Portugal. Portugal é terrivelmente feio.
J Francisco Saraiva de Sousa

segunda-feira, 29 de outubro de 2007

Millennium BPI?

O debate de hoje do programa «Prós e Contras» (29 de Outubro de 2007) é dedicado à eventual fusão entre o Millennium e o BPI. As questões colocadas são as seguintes: Quais as vantagens e as desvantagens?, Como ficaria o sistema financeiro português?, e O que pode significar para a economia nacional?
Todas estas questões subsumem-se numa questão: A criação de um grande banco português? Mas, mesmo que a fusão ocorra, o novo banco seria o terceiro maior banco da Península Ibérica, um banco mediano ao nível da Europa e nunca seria um banco com capitais exclusivamente portugueses. Daqui parece resultar que esta não é a verdadeira questão, até porque os actuais bancos podem fazer face aos problemas do crescimento económico, desde que bem geridos e administrados de modo transparente, num outro quadro financeiro que privilegie mais o investimento e o apoio às médias e pequenas empresas do que o consumo.
O debate opôs essencialmente duas figuras: o accionista do Millennium BCP, J. Berardo, e o presidente executivo do BPI, F. Ulrich. Os restantes convidados pouco participaram e os que falaram da plateia podiam ter sido dispensados: os dois jornalistas e os representantes dos trabalhadores quebraram o ritmo do debate e eram peças fora do baralho.
A figura marcante e mais transparente do debate foi Berardo. Um dos seus méritos foi retratar muito bem o ar cinzento e silencioso dos luso-colarinhos-brancos e exigir a quebra do secretismo das mais-valias chorudas que auferem enquanto administradores dos bancos: 9 milhões de euros por ano no BPI (6 ou 9 administradores, salvo erro) e 25 milhões de euros por ano no BCP (16 administradores, salvo erro). Se todos sabemos quanto ganham os trabalhadores, por que razão não podemos saber quanto ganham os administradores, não no conjunto, mas individualmente. Berardo afirmou, já no final, que quer saber, mesmo que para isso recorra aos tribunais ou outros meios legais. O professor lembrou que actualmente as grandes empresas não são governadas pelos accionistas (os proprietários), mas pelos administradores que, ao abrigo do sigilo e de truques legais e estatutários, usam e abusam do capital que não lhes pertence, podendo conduzir um grande banco a uma situação difícil, como sucede neste momento com o BCP, devido ao facto do seu fundador «ter-se passado», como diz Berardo. Este aspecto é importante, porque, ao contrário do que se pensa, os maiores corruptos e trapaceiros não são os empresários, mas os seus empregados de colarinho-branco. Uma prova disso é que Berardo foi transparente no que disse, embora não domine o português, e os restantes foram vagos e confusos e usaram linguagem pouco transparente.
A fusão dos dois bancos pode ser boa, se levarmos em conta a sua dimensão internacional e facilitadora da expansão das empresas portuguesas pelo mundo (Angola, Polónia, etc.), mas a proposta do BPI é inaceitável do ponto de vista dos accionistas do BCP: com 70 contra 30, o novo banco seria dominado pelo BPI. Berardo não aceita tal proposta e Fátima Campos parece saber que hoje (30 de Outubro de 2007) ela será rejeitada pelo BCP.
A conclusão mais válida deste debate é que o sector financeiro é pouco transparente e, por isso, constitui provavelmente um oásis para os luso-corruptos que querem enriquecer num ano e garantir reformas milionárias. Os colarinhos-brancos da economia, do direito e da engenharia constituem actualmente uma casta dominante e, portanto, o rosto do novo inimigo da democracia. No final, Berardo juntou-se aos trabalhadores na plateia e os colarinhos-brancos aglomeraram-se no palco, longe da ralé.
J Francisco Saraiva de Sousa

James Watson e a Questão da Inteligência

Os blogues de todo o mundo criticam severamente as declarações do biólogo molecular James Watson sobre a inteligência dos negros e acusam-no de ser racista. Os seus autores metabolicamente reduzidos comportam-se como se fossem destituídos de inteligência e de cultura.
De facto, desconhecem aquilo de que falam e, quando afirmam que o Prémio Nobel é semelhante ao estatuto dos heróis da Antiguidade Clássica e aos santos do catolicismo, revelam uma enorme ignorância, de resto associada fortemente ao sentimento mais mesquinho da inveja: os animais metabolicamente reduzidos não aceitam a distinção e a diferença. Vivem num mundo ilusório de igualdade universal e reduzem a vida a um pasto: ruminam mas não pensam. O seu estilo de vida ameaça a liberdade de pensamento e a democracia real, porque eles funcionam como a inquisição da ignorância activamente procurada: não querem ser apoquentados com a ideia real de que os homens não são efectivamente iguais.
Existem muitos estudos que mostram que os negros são, em média, menos inteligentes do que os brancos. O segredo reside na expressão --- «em média», o que significa que existem valores abaixo e acima da média. Estas diferenças não dizem respeito apenas à inteligência, mas também manifestam-se noutros aspectos: cognitivos, comportamentais, fisiológicos, corporais, morfológicos, enfim genéticos. Constatar diferenças interraciais não é o mesmo que defender o racismo. O discurso das diferenças é científico, enquanto o racismo é uma ideologia. Além disso, numa democracia, James Watson tem direito a exprimir as suas opiniões, mesmo aquelas opiniões não fundamentadas científica e filosoficamente.
Estes paladinos da igualdade totalitária e medíocre deviam dar mais atenção ao que se passa no Zimbabwé e ao conteúdo das declarações dos lideres islâmicos instalados no Ocidente. Estes comportamentos, bem como as asneirolas ditas pelos difamadores de Watson, é que são antidemocráticos: impor o silêncio e a morte àqueles que se destacam na vida pelas suas competências inatas.
J Francisco Saraiva de Sousa

Degradação dos Partidos Políticos (zero)

Pretendo retomar neste blogue o meu interesse de juventude pela teoria dos partidos políticos, materializado em muitos artigos publicados, em tempos conturbados e difíceis, por dois grandes jornais do Porto: O Comércio do Porto e Primeiro de Janeiro, dezoito dos quais foram dedicados a analisar a obra de Maurice Duverger, Os Partidos Políticos. Retomo este tema com o objectivo de politizar os mais jovens, em particular, e os cidadãos portugueses, em geral, e acordá-los a todos para a participação activa na vida política.
Afinal, quem beneficia com o velho discurso do fim das ideologias políticas? O «povo» não beneficia com esse discurso, porque as ideologias servem principalmente para desenvolver a consciência política dos cidadãos. Apenas os luso-corruptos instalados nos diversos poderes da sociedade portuguesa desde a criação da democracia, após os anos conturbados do processo revolucionário, têm interesse em manter esse discurso e agir em conformidade, de modo a silenciar o pensamento crítico.
Os partidos políticos são organizações políticas que «têm por objectivo directo conquistar o poder ou participar no seu exercício» (Duverger), ou seja, organizações adaptadas à luta pelo poder político, que exprimem os interesses e os objectivos de forças sociais, de que são precisamente os meios de acção política. Esta definição é herdeira do pensamento de Karl Marx e de outros filósofos políticos: os marxistas sempre afirmaram o carácter de classe dos partidos políticos. Isto significa que os partidos políticos que surgiram com a extensão do sufrágio popular e as prerrogativas parlamentares, portanto, com a democracia, representam, na luta política, os interesses das classes sociais ou das forças sociais que os suportam. Os interesses destas forças sociais divergem: as forças sociais instaladas não desejam alterar nada de significativo no sistema e, por isso, os seus partidos são denominados partidos de Direita, enquanto as forças sociais desfavorecidas mostram-se mais interessadas em introduzir mudanças sociais qualitativas e, por isso, os seus partidos são denominados partidos de Esquerda. Os primeiros querem conservar o status quo, enquanto os segundos desejam alterá-lo, quer por via de reformas (partido socialista), quer por via revolucionária (partido comunista). Mas nem todos os partidos que concorrem às eleições têm capacidade para vencer: não são partidos de poder e, por isso, se tiverem representação na Assembleia da República, estão condenados a fazer uma aliança ou estabelecer um pacto com um dos partidos de poder e, deste modo, participar na governação. Os partidos de poder estão mais sujeitos à corrupção do que os partidos da oposição parlamentar ou extraparlamentar.
De facto, os partidos de poder corrompem-se facilmente e, em vez de garantir a clarificação democrática e o seu aprofundamento, podem estar a contribuir para o eclipse da democracia. Quando um partido se assume como partido de centro, podemos estar certos de que deixou de ligar à sua ideologia de base, distanciou-se das suas tradicionais forças sociais de apoio e está muito mais interessado em garantir a conquista do poder para distribuir cargos e empregos aos seus quadros. São partidos de massas nas eleições, mas partidos de quadros sedentos de poder na sua acção política e governativa. Quando os partidos deixam de representar genuinamente os interesses e aspirações dos seus militantes e das forças sociais que os apoiam, degradam-se e, por isso, transformam-se em organizações usadas para a obtenção de empregos. Os seus dirigentes usam e abusam do poder para satisfazer os interesses privados de um círculo restrito de oportunistas que os frequentam para garantir benefícios privados, em detrimento dos interesses sociais das suas bases de apoio, de resto manipuladas, ou mesmo do interesse nacional. É isto que tem sucedido rapidamente em Portugal: a degradação da vida política que afasta os cidadãos da política vista como um «mal menor».
Não é por acaso que o estudo da ciência e da filosofia política foi retirado dos currículos escolares pré-universitários: as classes dirigentes nacionais, profundamente corrompidas, não estão interessadas na educação política dos cidadãos portugueses e, tal como Salazar, preferem mantê-los ignorantes e afastados da política, de modo a não terem oposição. Triste cenário este: A democracia converteu-se realmente numa oligarquia, pela qual uma minoria de luso-corruptos governa e mantém sujeitada a maioria dos portugueses, que, de resto, desprezam profundamente, como se fossem gado. Contra este estado de coisas, pretendo sensibilizar todos os portugueses, sobretudo os mais jovens, a participar activamente na vida política e a tomar nas suas mãos o seu próprio destino, o seu e o de Portugal. Caso contrário, o futuro pode não lhes reservar uma vida autónoma e digna de ser vivida.
J Francisco Saraiva de Sousa

domingo, 28 de outubro de 2007

Fernando Pessoa: O Poeta das Trevas

Sempre alimentei o projecto de fazer uma leitura filosófica da poesia nacional e descobrir nela as ideias-força que estrangulam Portugal. Mas ler os poetas portugueses não é tarefa fácil e agradável: a poesia portuguesa é pouco dada ao pensamento e, quando explicita um pensamento, ficamos completamente «espantados» com a sua pobreza. É este o caso de Fernando Pessoa, um poeta que tem sido venerado como se fosse extraordinário, quando na verdade é inconsequente, medíocre e obscurantista.
Joel Serrão foi um dos poucos intelectuais portugueses que demonstrou a mediocridade do homem e do poeta chamado Fernando Pessoa:
«Na obra de Pessoa tudo se interliga, mesmo que o resultado final seja, acaso, uma dada sorte de capelas imperfeitas, irremediavelmente imperfeitas --- e sobretudo sem a abóbada que nelas se teima em considerar implícita. Ou, talvez, melhor: capelas susceptíveis de abóbadas várias, mas da exclusiva responsabilidade de quem se atreva, agora, a lançá-las... Quanto a Pessoa, ele jamais a construiu, não porque o não quisesse ou o não tivesse tentado ou não tivesse sabido a falta que fazia, mas, simplesmente, porque não pode».
Em suma: Fernando Pessoa é um projecto fracassado: sonhou muito mas sem ser capaz de realizar os projectos sonhados. E o seu pensamento político é profundamente reaccionário. Pessoa diz/escreve constantemente barbaridades em nome da «defesa da ditadura militar».
Contra o comunismo, Pessoa escreve: «Se dermos mais um passo neste jogo de acções e reacções, estaremos no comunismo e em comer raízes --- aliás o término natural desse sistema humanitário». Os russos são retratados com estas palavras: «o gado russo, aqueles animais a que se chama o povo russo... Há alguém que, a sério, julgue que a Revolução Russa transformou alguma coisa de fundamental?» Lenine e Trotsky são «figuras desmanchadas e reles», «infelizes que, em uma época científica, governam à romântica». A estupidez de Pessoa é descomunal: a sua «figura desmanchada» e dispersa, dependente da droga, mais animalesca do que humanizada, verbaliza sem conhecimento de causa. A sua concepção da língua é que é romântica e, na conexão total do seu pensamento político antirevolucionário e antidemocrático, revela o seu obscurantismo numa época da ciência e da técnica. Tal como Leonardo Coimbra, Pessoa fala da revolução e da «questão bolchevique» sem ter conhecimentos filosóficos substanciais. Aliás, a chamada «filosofia portuguesa» é um grito nacionalista: «somos filósofos originais, afirmam os luso-filósofos, porque não precisamos dos estrangeiros e da sua tradição. A nossa língua é filosofia». Da merda, acrescentemos rapidamente... (Não é o anticomunismo de Pessoa que está em causa, mas o seu espírito antidemocrático.)
Contra o proletariado e os trabalhadores, Pessoa escreve estas palavras cruéis: «O que é certo é que entre um operário e um macaco há menos diferença que entre um operário e um homem realmente culto». O poeta sem abóbada e sem orientação teórica inclui-se nas «classes cultas» e, como «homem realmente culto» (sic), aconselha as «classes a-políticas» (os ricos): «Reduzir o proletariado tanto quanto possível à situação de escravos. Fazer isto de modo disfarçado, careto, íntimo. A plebe deve ser o instrumento dos imperialistas, casta dominadora, mas escrava deles, ligada a eles por uma comunidade de misticismo nacional, de modo que voluntariamente seja escrava, desde nascença esteja involuntariamente conforme com a condição que se lhe impõe».
De modo inteligente, Joel Serrão mostra que este desprezo pelo trabalhador e pela justiça social está de acordo com o poema XXXII de «O Guardador de Rebanho» (1911-1912), de Alberto Caeiro:
«Ontem à tarde um homem das cidades
Falava à porta da estalagem.
Falava comigo também.
Falava da justiça e da luta para haver justiça.
E dos operários que sofrem.
E do trabalho constante, e dos que têm fome,
E dos ricos, que só têm costas para isso.
E olhando para mim, viu-me lágrimas nos olhos
E sorriu com agrado, julgando que eu sentia
O ódio que ele sentia, e a compaixão
Que ele dizia que sentia.
«(Mas eu mal o estava ouvindo.
Que me importam a mim os homens
E os que sofrem ou supõem que sofram? etc.)»
Apesar de ter muitas caras, Pessoa tem sempre uma só cara, no tocante à «justiça» e à «luta para haver justiça». Este facto mostra que a sua poesia não pode ser lida fora desta conexão política: Pessoa foi o poeta do regime salazarista (Pensemos nos poemas sobre Salazar!), sonhado como prelúdio da sua bobagem política, o «Quinto Império». E, mesmo quando pensa a língua como pátria, fá-lo para isolar Portugal do mundo: o seu nacionalismo é verdadeiramente castrador e o seu sebastianismo mais não é do que justificação ideológica de um sistema que procura fazer dos trabalhadores escravos voluntários das castas dominantes. Mas, afinal, Fernando Pessoa foi e é lisboeta...
J Francisco Saraiva de Sousa

sábado, 27 de outubro de 2007

Professores Incompetentes

O título mais correcto é professores da merda, porque é isto que são os professores portugueses.
Os meus colegas e amigos professores tentaram dissuadir-me de criticar o ensino e a educação em Portugal. Mas, quando permito que me aluguem os ouvidos a narrar densamente as tarefas escolares e preocupações, fico mais convencido da sua mediocridade essencial: falam de tudo menos das matérias que leccionam. E, quando dizem que pesquisam, dá vontade de rir, de um modo nervoso.
Em Portugal, ser professor é ser um mero funcionário público que executa automaticamente certas actividades, aguardando ansiosamente o dia do pagamento. As tarefas executadas são frequentemente alvo de debates animados entre professores, que exibem grandes dificuldades a descodificar e a interpretar qualquer documento, proposta de trabalho ou lei. Sem se aperceberem, eles próprios enforcam-se e isto porque são incapazes de ler e compreender um texto. Aliás, os professores não lêem e, quando são forçados a ler, assustam-se com o tamanho do texto, a reacção que hipocritamente condenam nos seus alunos. As licenciaturas e as pós-graduações são tiradas sem esforço: copiam, copiam, copiam, sem nunca terem lido e muito menos compreendido o conteúdo daquilo que copiam. Eles desejam apenas emprego garantido e sem esforço: recriminam-se reciprocamente, afundam-se em papelada, são mal-tratados pelos alunos, auxiliares de educação e membros dos conselhos directivos, comem, bisbilhotam, criam intrigas e conflitos, odeiam-se, ultrapassam os limites dos comportamentos adequados, enfim não fazem nada de jeito. Alguns dizem desejar sair do ensino, devido às actuais políticas da educação, mas não sabem o que fazer. Dizem que Belmiro de Azevedo os detesta tanto ou mais do que a ministra da educação. Porquê? Porque os considera incompetentes para executar qualquer tarefa. Afinal, Belmiro de Azevedo é um empresário inteligente. De facto, estes professores não servem para nada: são professores da merda. Profundamente ignorantes, pouco inteligentes, manhosos, intriguistas, medrosos e muito invejosos. São fruto do 25 de Abril e das más reformas feitas desde então. As actuais políticas da educação situam-se nessa longa tradição de destruição do ensino em Portugal.
Os professores dizem-me frequentemente que não devo generalizar, porque «a generalização pode ser injusta». Isto significa literalmente: «Tens razão. A maior parte dos professores são incompetentes, mas nós não fazemos parte desse grupo. Daí que a generalização possa ser injusta, além de justificar as medidas tomadas pela actual ministra da educação». Este argumento é tipicamente português: "quando não consegues superar o adversário, alia-te a ele e trata os outros como inimigos". É assim que os professores sobrevivem: "sim, sim", "é assim", "sim essa é a minha área"... Como preparam as suas lições? Lendo os manuais escolares, estes gloriosos compêndios públicos da estupidez nacional. Até existem professores universitários que recorrem aos manuais do ensino secundário para preparar as aulas e fazer as frequências: o disparate circula num círculo vicioso. De facto, é tudo tão disparatado que não vale a pena pensar mais neste assunto. Portugal é simplesmente um disparate!
J Francisco Saraiva de Sousa

sexta-feira, 26 de outubro de 2007

Hobbes e o Ateísmo Político

Materialismo científico, mecanicismo, positivismo: a filosofia de Thomas Hobbes (1588-1679) é estruturalmente racionalista e anti-aristotélica, que destaca o poder mediador da linguagem em detrimento das ideias inatas.
A filosofia de Hobbes é, acima de tudo, uma filosofia do poder. Hobbes seculariza o poder e demonstra, não a sua majestade, mas a sua utilidade na conservação do indivíduo. Mas não é a concepção hobbesiana do poder político e a tese da soberania absoluta que pretendemos destacar, mas a sua recusa em recorrer ao sobrenatural.
De facto, com a excepção dos estudos de Ferdinand Tönnies, Leo Strauss, Max Horkheimer e Quentin Skinner, a maior parte dos leitores da obra de Hobbes concentra-se numa única obra, «Leviatã» (1651), sobretudo nas partes sobre o poder (Segunda Parte/ Do Estado), negligenciando as outras (Primeira Parte/ Do Homem, Terceira Parte/ Do Estado Cristão) e desprezando a Quarta Parte/ Do Reino das Trevas. Além desta obra de enorme racionalidade política e científica, Hobbes escreveu outras que não devem ser esquecidas: «Elementos do Direito» (1640), «Do Cidadão» (1642), «Da Natureza Humana», «Corpo Político» e, por fim, «Tratado do Homem».
A Quarta Parte do «Leviatã», Do Reino das Trevas, é extremamente actual: «O reino das trevas (...) nada mais é do que uma confederação de impostores, que para obterem o domínio sobre os homens neste mundo presente, tentam por meio de escuras e erróneas doutrinas, extinguir neles a luz, quer da natureza, quer do Evangelho, e deste modo desprepará-los para a vinda do reino de Deus». Nesta quarta parte do seu tratado, Hobbes denuncia a demonologia, os exorcismos, o medo do Diabo e o proveito que daí tira o clero. Para Hobbes, é a ansiedade humana que se encontra na origem da religião: «O temor de um poder invisível, quer seja uma ficção do espírito ou o imaginemos segundo tradições admitidas publicamente, é isso a religião».
A filosofia de Hobbes assume corajosamente uma tarefa terapêutica, centrada sobretudo sobre a linguagem e a crítica racional das imagens fantasmas: libertar os homens dos «fantasmas do cérebro» e do temor: «Fica assim manifesto que não há nem pode haver qualquer imagem de uma coisa invisível». E, por isso, pode ser lida como um manifesto de ateísmo político.
Hobbes ocupa um lugar de destaque na nossa tradição crítica. Como escreve Horkheimer: «Como surgiram estes extraordinários erros, porque se mantêm? Assim se coloca, em princípio, o problema da ideologia, apenas abordado com métodos suficientes no período pós-hegeliano. De resto, a resposta de Hobbes e dos seus seguidores, já apontada por Maquiavel, é muito simples: todas as ideias que se afastam da teoria exacta da natureza humana e não-humana, foram inventadas por pessoas que pretendem dominar outras. No cerne de todas estas ideias está a argúcia e a mentira. A sua causa primeira é, por um lado, a sede do poder e, por outro, uma precária formação; o seu fim é a manutenção do poder daqueles que a propagam».
A filosofia racionalista de Hobbes oferece-nos um conjunto de conceitos que permitem denunciar os abusos da democracia e as práticas dos luso-corruptos, que procuram mergulhar Portugal no obscurantismo. Os luso-corruptos dizem mentiras hipocritamente com uma consciência endurecida, de modo a manterem e perpetuarem o seu medíocre domínio.
J Francisco Saraiva de Sousa

Filosofia Política da Pobreza

Num texto anterior, «Karl Marx, o Filósofo da Pobreza», retomei a análise de Hannah Arendt sobre a revolução, para apresentar a filosofia de Marx como uma filosofia política da pobreza. Ao afirmarmos que a filosofia de Marx pode ser lida como uma filosofia política da pobreza, abandonamos a teoria do proletariado e da sua missão histórica, brilhantemente elaborada por Georg Lukács e com a aprovação de Merleau-Ponty e Jean-Paul Sartre, e damos início a uma nova leitura de Marx. Esta leitura pretende apurar o seu contributo para a construção de uma democracia real, num mundo cada vez mais global e cada vez mais desigual.
As relações de Hannah Arendt com o marxismo são ambíguas: critica severamente algumas teses de Marx, ao mesmo tempo que o admira. A sua suspeita de que a «questão social» solapou a «questão da liberdade» no pensamento de Marx merece atenção, mas, na vida real das pessoas, as duas questões estão intimamente relacionadas, a menos que se tolere a «democracia predatória» que predomina nas actuais sociedades ocidentais. A distância da Filosofia em relação à Política dá-lhe autoridade para lembrar aos que fazem política, sobretudo em nome do socialismo, que a liberdade e a pobreza são incompatíveis, sobretudo quando se trata da «liberdade de uns poucos» e da «pobreza de muitos». Reduzir o acesso à esfera pública a poucos que usam e abusam do poder político para satisfazer interesses privados não é um procedimento democrático.
O conceito de pobreza apresentado por Hannah Arendt não é muito diferente daquele elaborado por Marx:
«A pobreza é mais do que a privação, é um estado de constante necessidade e de miséria aguda cuja ignomínia consiste na sua força desumanizante; a pobreza é abjecta porque coloca os homens sob a ditadura absoluta dos seus corpos, isto é, sob a ditadura absoluta da necessidade tal como todos os homens a conhecem a partir da sua mais íntima experiência e independentemente de todas as especulações».
Marx, «o maior teórico que as revoluções jamais tiveram» (H. Arendt), viu que a liberdade e a pobreza eram incompatíveis e que a pobreza pode ser, em determinadas situações sociais, uma arma ou força política de primeira ordem, porque é «o resultado da exploração de uma "classe dominante", a qual está de posse dos meios de violência» física e sobretudo ideológica, como demonstrou Althusser. Creio que o pensamento de Marx pode ser recuperado sem lhe atribuir «a doutrina mais perniciosa da idade moderna, ou seja, que a vida é o bem supremo e que o processo vital da sociedade é o verdadeiro centro do esforço humano». Com efeito, os seus textos de Juventude ou mesmo da maturidade não apontam na direcção de uma «sociedade de consumidores». A liberdade e a democracia ocupam papéis de destaque no pensamento de Marx, de resto o maior admirador das obras revolucionárias da burguesia («Manifesto do Partido Comunista»). O que diferencia a concepção marxista da democracia da concepção «liberal» é o facto de Marx desejar realizar uma democracia real. Sem resolver previamente o problema da pobreza, falar de liberdade e de democracia é pura hipocrisia. A existência da pobreza invalida a democracia e torna o pobre escravo da necessidade: a privação material determina e implica necessariamente outras formas de exclusão, em particular a exclusão política.
Embora possa ser visto como uma «fenómeno social total» (Marcel Mauss), o fenómeno da pobreza é, em última análise, um fenómeno económico, resultante da exploração do homem pelo homem. É, por isso, que a pobreza não pode ser eliminada com «políticas da nutrição», ou seja, por instituições que alimentam os pobres, sem os livrar da pobreza. Marx nunca defendeu uma tal política metabolicamente reduzida: alimentar os pobres e vesti-los. O objectivo da política de Marx é abolir realmente a pobreza, ou melhor, as pobrezas, mediante reformas económicas estruturais, acompanhadas por outras reformas sociais, políticas, educacionais e culturais. Aqueles que encaram a pobreza como mera «privação material» tendem a responsabilizar os pobres pela sua pobreza e a ilibar a consciência dos que enriquecem à custa da produção da pobreza. Eles reduzem a pobreza a um problema técnico, que procuram resolver com uma «política de nutrição». Ora, esta política metabolicamente reduzida não é a de Marx, mas a daqueles que usam a esfera pública para defender os seus interesses privados. Aliás, com uma mão alimentam esporadicamente os pobres e com a outra sobrecarregam-nos com impostos.
Uma política verdadeiramente socialista ou social-democrata deve ter como prioridade eliminar as condições económicas que favorecem a existência e o agravamento da pobreza, porque, ao contrário do que se afirma, a análise marxista da luta de classes e do poder político não foi superada, embora deva ser revista e adaptada às transformações sociais ocorridas: ela deve ser utilizada para denunciar o uso e abuso do poder, em nome da democracia, para monopolizar todos os aparelhos de Estado, incluindo os ideológicos, colocando-os ao serviço dos interesses privados das novas classes políticas que o partilham com os detentores do poder económico. Estas novas classes de políticos corruptos e seus associados são os coveiros da democracia e das liberdades que dizem defender, que, tal como a nobreza e a realeza do Antigo Regime, falam em «direitos adquiridos» que desejam ver legitimados pela autoridade religiosa. Ao contrário dos USA, a Europa nunca se libertou da autoridade do Antigo Regime: os cidadãos nunca foram iguais perante a lei. É, por isso, que tenho falado de «democracia feudal» ou mesmo «fascista».
J Francisco Saraiva de Sousa

quinta-feira, 25 de outubro de 2007

Prós e Contras: A Pobreza

O programa «Prós e Contras» de hoje (22 de Outubro de 2007), dedicado à pobreza, foi muito pardacento, com excepção da última intervenção que desmistificou as «boas intenções» das obras de caridade.
De facto, estas instituições não captaram a essência da pobreza e as suas raízes sociais e económicas profundas. A sua acção limita-se a atenuar os efeitos da pobreza, mas sem resolver o «problema da pobreza», ao mesmo tempo que garante a visibilidade metabolicamente reduzida dos seus responsáveis.
A pobreza não é um problema técnico-burocrático, mas um «fenómeno social total», para usar esta expressão de Marcel Mauss, que deve ser compreendido em todos os seus níveis de expressão e de manifestação, para que a luta pela sua eliminação total possa ser bem sucedida, sem criar dependentes como sucede com a acção de caridade ou as políticas burocráticas. Todas criam pobres dependentes, em vez de indivíduos autónomos capazes de controlar e de gerir a sua vida numa sociedade que ofereça efectivamente igualdade de oportunidades e emprego pleno.
Contudo, há algo mais na pobreza que nunca foi levado em conta: os homens são meros animais e os ritmos frenéticos e compulsivos da sociedade de consumo reduzem-nos a animais dispensáveis, mas sem os ver efectivamente como animais a quem se exigem tarefas desumanas. E, como animais, os humanos cedem inadequadamente às pressões, esquecendo que são mortais que merecem uma vida mais digna. Uns comem demasiado, outros não comem, uns drogam-se e outros desistem da vida. A economia de mercado selvagem ameaça a vida e o planeta: um mortal não está biologicamente preparado para fazer face a todos estes desafios transhumanos e frequentemente irracionais. Todos somos potencialmente sem-abrigo, até porque a sociedade actual nos roubou o nosso abrigo mais íntimo: a dignidade.
De facto, como foi dito no debate, carecemos de profetas: os portugueses e os europeus. Todos os europeus são criados a gastar dinheiro e a consumir em excesso, como se essa dimensão do consumir compulsivo, com fins de ostentação (T. Veblen), fosse natural num mero mortal que já não sabe apreciar as obras dos heróis. Portugal nunca terá futuro, se não se fizer nada para eliminar a sua mediocridade essencial e as suas pseudo-elites: todos somos pobres, uns mais do que outros, e todos estamos sujeitos a sofrer a pobreza radical: não ter um abrigo, amigos ou tostão no bolso. A vergonha de assumir a pobreza não enriquece o país: Portugal sofre de diversas pobrezas e, apesar disso, entrega-se a divagações de grande riqueza. Isto é falta de inteligência!
J Francisco Saraiva de Sousa

Blogosfera Portuguesa Ameaçada?

Tenho escrito alguns textos, onde procuro chamar a atenção dos utilizadores da Internet para as tentativas de feudalização da blogosfera portuguesa e muitos autores de blogues, em particular do blogue «Pontapé-na-Lógica», partilham esta mesma preocupação.
A blogosfera é ainda um espaço público virtual aberto e interactivo: a comunicação tende a tomar espontaneamente a forma de diálogo. Contudo, alguns bloguistas por deformação profissional, dado serem jornalistas, de resto medíocres, habituados a comunicar sem acção de retorno, associam-se de diversas formas, para impor esse modelo unilateral de comunicação no cyberspace, tentando converter os demais utilizadores em meros receptores «idiotas». O jornalismo ameaça a democracia electrónica, dado pretender monopolizar a comunicação online. E, de facto, os próprios críticos desta ameaça não reagem da forma mais adequada: não frequentar os blogues feudais e não estabelecer hiperligações com eles. Em Portugal, poucos são os jornalistas que fazem jornalismo crítico: a maior parte é medíocre e ameaça a democracia. A liberdade que reivindicam como interesse da corporação é a «liberdade» para dizer mal e desinformar.
Estranhamente, nunca fomos verdadeiramente um país feudal, mas, na era da globalização, surgem em Portugal feudos: o feudo da justiça, o feudo dos sindicatos, o feudo dos funcionários públicos, o feudo do jornalismo e assim sucessivamente. Todos juntos conspiram contra a formação de uma esfera pública aberta a todos os cidadãos e liberta de constrangimentos. Eles pretendem ocupar toda a esfera pública e, talvez relembrando o dito de Luís XIV, afirmam em uníssono: «a esfera pública somos nós». O sistema luso-corrupto é, na sua essência, feudal. Este sistema ameaça a independência e a democraticidade intrínseca da blogosfera e, por isso, visa a sua feudalização.
Estamos em Portugal e, portanto, num país que ainda não sabe o que significa democracia, sem escolas e universidades dignas. Na ausência de uma intelectualidade competente, independente e corajosa, os luso-jornalistas arvoram-se como «intelectuais», como se fossem portadores da centelha de inteligência de que Portugal carece desde a fundação, logo eles os mais ignorantes e perversos de todos os portugueses. Até chegam ao ponto de se referirem uns aos outros em circuito fechado, como se o conhecimento fosse da sua competência.
Nesta luta por uma blogosfera liberta das práticas sistematicamente distorcidas do jornalismo predominante, estamos sozinhos, porque o poder político que deveria zelar pela saúde da democracia está corrompido e comprometido com este tipo de jornalismo. E porque a maioria dos portugueses não está interessada com o futuro que transcenda a satisfação de necessidades imediatas. O séquito de oportunistas que bajulam esses blogues em busca de alguma visibilidade e, portanto, de alguma audiência, prejudica a nossa luta pela manutenção de um novo espaço público.
J Francisco Saraiva de Sousa

A Guerra do Ultramar

O programa «Prós e Contras» sobre a Guerra do Ultramar (15 de Outubro de 2007) teve o mérito de mostrar a necessidade de fazer as etnohistórias das guerras que os portugueses travaram em Guiné-Bissau, Angola, Moçambique e Timor.
Fazer as etnohistórias dessas guerras é reconstruí-las a partir de três pontos de vista ou perspectivas expostas no debate: a do regime português, a dos opositores ao regime e a dos movimentos de libertação.
A perspectiva do regime vigente prefere chama-lhe Guerra do Ultramar, porque considerava que esses territórios eram «províncias ultramarinas» de Portugal. A guerra visava proteger os interesses nacionais contra os «terroristas», designação dada aos guerrilheiros dos movimentos de libertação.
A perspectiva dos opositores do regime prefere a designação Guerra Colonial, porque encarava o regime como um sistema colonialista. Os seus defensores ajudaram a instaurar a democracia em Portugal, mas cometendo uma injustiça que a mancha: não protegeram os portugueses e os seus bens nos novos Estados Nacionais, bem como os excombatentes.
A perspectiva dos indígenas fala de Guerra de Libertação, que visava libertar esses territórios do colonialismo português. Lutavam pela independência e, após a independência, limitaram-se a expulsar os portugueses e a tomar conta do património português, como se este se reproduzisse por milagre.
Mas nenhuma destas perspectivas esgota a história da Guerra do Ultramar. A verdade é que os movimentos de guerrilha «venceram» as guerras não por mérito próprio, conforme disseram os militares, mas porque a chamada «metrópole» lhes entregou as chamadas «províncias ultramarinas», após o 25 de Abril de 1974, abandonando os portugueses desses territórios e os seus bens.
Aqui surge um quarto ponto de vista: o das pessoas que foram abandonadas pelo regime revolucionário português à vingança dos guerrilheiros e dos novos governantes. Este quarto ponto de vista é o mais silenciado, porque é aquele que «mancha a bandeira nacional» há mais de 30 anos. Os chamados «espoliados» não são escutados pela democracia portuguesa, que, segundo dizem, aguarda que morram para enterrar definitivamente o problema. A democracia portuguesa vigente nasceu e cresceu sobre um «crime» (Guerra Junqueiro): a entrega dos portugueses ao abuso, ao roubo e à morte. (Esta história está por fazer.) Por isso, não podemos falar em descolonização: não houve descolonização mas abandono.
Diante deste crime e face à destruição e à pobreza que se verificam actualmente nesses novos Estados, esta quarta perspectiva marca a diferença e é a única que pode fazer a síntese sem violentar os outros pontos de vista, excepto o dos opositores do regime, aquele que venceu em Portugal após o 25 de Abril e que construiu a democracia corrupta que nos governa até hoje. Esta perspectiva deve fazer justiça aos chamados «retornados» e mostrar o papel crucial que desempenharam na construção de um Portugal mais desenvolvido do que aquele que encontraram, aquém dos territórios ultramarinos. (Convém destacar a ignorância dos participantes nesta matéria: pensam que Moçambique e Angola eram como a «santa terrinha», descalça e analfabeta!)
Os democratas do sistema luso-corrupto deviam meditar na vitória de Salazar como figura heróica nacional num programa de televisão e tirar daí todas as consequências políticas: Os portugueses estão desiludidos com a democracia vigente e não acreditam na dignidade dos seus políticos.
J Francisco Saraiva de Sousa

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

Karl Marx, o Filósofo da Pobreza

Hannah Arendt é insuspeita em matéria de filosofia política e na avaliação que faz do contributo político de Marx. Na sua obra «On Revolution», H. Arendt escreveu:
«O enorme impacte das articulações e conceitos de Marx sobre o rumo da revolução é incontestável e embora seja tentador, relativamente ao absurdo escolástico do marxismo do século XX, atribuir esta influência aos elementos ideológicos na obra de Marx, pode ser mais exacto argumentar no sentido inverso e imputar a influência perniciosa do marxismo às muitas descobertas originais e autênticas feitas por Marx. Seja como for, não há dúvida de que o jovem Marx veio a convencer-se de que a razão pela qual a Revolução Francesa não conseguira encontrar a liberdade fora a de ter falhado na resolução da questão social. Daí ele ter concluído que liberdade e pobreza eram incompatíveis. A sua mais explosiva e certamente mais original contribuição para a causa da revolução foi o facto de ele ter interpretado as prementes necessidades da pobreza de massa em termos políticos como uma sublevação, não por uma questão de pão ou de saúde, mas também por uma questão de liberdade. A conclusão que ele tirou da Revolução Francesa foi a de que a pobreza pode ser uma força de primeira ordem».
Hannah Arendt tem um lugar especial na filosofia política e deve ser lida pelos socialistas e sociais-democratas genuínos, como mais uma pensadora de uma política radical. Ela nunca foi uma crítica do marxismo, nem sequer do marxismo-leninismo, e possibilita uma releitura de Marx numa época em que a pobreza se tornou novamente visível, releitura esta que o salvaguarda das mentiras ditas pelos cardeais já referidos. O marxismo é uma filosofia política da pobreza. Liberdade e pobreza não são compatíveis. Lutar contra a pobreza é lutar pela liberdade e lutar pela liberdade é lutar contra a pobreza material e mental.
J Francisco Saraiva de Sousa

Corrupção Portuguesa

O fenómeno da corrupção, da perversão e do abuso do poder merece ser estudado a fundo e, em Portugal, um país em que a corrupção é profunda e transversal, é necessário adoptar políticas radicais contra a corrupção.
Num estado de corrupção total e profunda, agravada com políticas igualitaristas dos governos pós-25 de Abril, não há reforma que consiga alterar os rumos nacionais, porque a corrupção é a invasão total do domínio público pelos interesses privados. Dito por outras palavras, a corrupção tem rosto e todos conhecemos os rostos da corrupção nos diversos níveis da vida social, fortemente legitimada pelas práticas populistas de conquista do poder exibidas pelos partidos, sobretudo por um partido demasiado populista e nefasto. O governo deve confrontar de frente a corrupção e proceder à «limpeza» do Estado, de modo a servir de exemplo às esferas civis corrompidas. Não enfrentar de frente a corrupção e fazer reformas que são corrompidas pelos corruptos agrava a situação e bloqueia o desenvolvimento de Portugal.
Em Portugal, nada funciona, porque a república portuguesa permitiu levianamente a comparticipação de pessoas despreparadas no poder público e lhes ensinou a manipulá-lo. Todos os funcionários do Estado e das instituições por ele tuteladas, tais como partidos políticos e sindicatos, são corruptos. A generalização pode ser por vezes abusiva, mas, neste caso, justifica-se. O poder público português é controlado por pessoas metabolicamente reduzidas, isto é, por pessoas que usam o poder para satisfazer interesses privados, em detrimento do interesse nacional. Um exemplo é o abuso do poder por parte dos conselhos directivos das escolas ou a comercialização do ensino universitário privado. Este exemplo não foi dado arbitrariamente, mas pela seguinte razão: a corrupção deve ser combatida nas escolas e Portugal é simplesmente um país sem escolas dignas desse nome. A educação é simplesmente negra e as políticas da educação não vão no bom sentido.
A vitória de Menezes no PSD e a reentrada em cena de Santana Lopes podem vir a ser factores de agravamento da situação de miséria mental portuguesa. Portugal pode afundar de vez: a política financeira não resolve os problemas nacionais, a política da educação é surrealista, a ordem jurídica é uma capela de culto autoritário, as polícias são sindicatos, as escolas e as universidades não existem, a economia de mercado não funciona, as liberdades são abusos, os bancos são abuso, a democracia é uma figura de estilo, enfim reina a inveja, a mediocridade e o abuso de poder. Se isto não for travado com reformas radicais, que libertem o domínio público dos corruptos que perderam a vergonha, o melhor será regressar à ditadura ou fazer uma revolução que use a violência para purificar e renovar o sistema. As privatizações têm sido feitas para «engordar» as figuras públicas e o alargamento das privatizações anunciado por Menezes merece suspeita: a economia de mercado não funciona em Portugal. Porquê? Deixo a cada um a liberdade de resposta, mas, antes de responder, faça um esforço e medite seriamente. O poder presidencial deve estar atento, muito atento, porque tem legitimidade democrática para defender a República.
J Francisco Saraiva de Sousa

A Força do Espírito

O programa de Fátima Campos decorreu em frente da Basílica da Santíssima Trindade e contou, como já dissemos noutro post, com a participação de três bispos, o cardeal de Lisboa, o cardeal Saraiva do Vaticano e o bispo de Leiria-Fátima, e dois laicos, um agnóstico, racionalista e republicano (Mário Soares) e outro católico (Marcelo Rebelo de Sousa). Como seria de esperar, a base material do espírito, ou melhor, o espírito encarnado foi passada em branco, apesar das referências de Mário Soares e do cardeal Saraiva à pobreza e à necessidade de olhar pelos mais pobres, injustiçados, humildes e ofendidos.
Inicialmente houve um certo atrito, centrado sobretudo no problema das capelanias, mas Mário Soares soube contorná-lo, com a ajuda de Marcelo Rebelo de Sousa: o carácter do Estado Laico, com a separação entre Estado e Igreja e a afirmação das liberdades religiosas garantidas por esse mesmo Estado foram aspectos que Mário Soares frisou bem e sem equívocos e, reconheço, desta vez sem embaraçar os ideais socialistas. É certo que os direitos humanos vieram à baila, bem como o personalismo de índole cristã. Mas o personalismo não é uma filosofia genuína, mas um conjunto de crenças ideológicas cristãs afirmadas para fazer face à Filosofia Marxista, esta sim uma verdadeira Filosofia, de resto a filosofia inultrapassável do nosso tempo, como disse Jean-Paul Sartre nos anos 60.
Quando se debateu a Tratado Reformador Europeu, voltou à baila a referência das raízes hebraico-cristãs do Ocidente, mas Mário Soares soube afirmar o valor superior da laicidade que, na verdade, possibilita a gestão das liberdades religiosas plurais sem guerras entre religiões num Estado de Direito que garante os princípios democráticos fundamentais. Num país plural, o Estado deve saber garantir a liberdade religiosa, sem privilegiar uma em detrimento de outras, embora possa manter relações mais importantes com aquelas confissões que respeitam o jogo das regras democráticas. em particular as cristãs.
É evidente que o berço da nossa civilização ocidental encontra-se na Grécia, da qual herdámos a racionalidade, portanto a Filosofia e a «ciência», e a democracia, herança conservada pelos romanos e, em diálogo com a qual o cristianismo «estranho» se helenizou e foi como cristianismo helenizado que influenciou a nossa civilização ocidental, a matriz que possibilita falar de uma única cultura europeia, apesar das especificidades culturais nacionais. O islamismo não está na raiz da nossa cultura, como foi demonstrado claramente, entre outros, por Oswald Spengler.
A leitura da mensagem de Fátima como mensagem da Paz é bem vinda e, se assim for, esperemos que faça o seu percurso mundial e que seja bem sucedida. Mas esta é uma versão politicamente correcta da mensagem de Fátima, que não invalida a análise científica e política que se fez ou possa vir ser feita sobre a construção social e ideológica desse fenómeno. Conforme demonstrou Althusser, o marxismo não é teoricamente um ateísmo, mas, nas suas análises, pode criticar a religião pelos seus efeitos negativos, insurgindo-se nomeadamente contra a sua participação política na esfera pública, porque a política, como demonstrou Hannah Arendt, não deve estar submetida a ideias a-políticas. A laicidade da política garante a democracia e o seu aprofundamento. De todos os cidadãos, os a-religiosos são aqueles que têm sabido manter um Estado Democrático que garante com imparcialidade a liberdade religiosa, o que já não pode ser dito dos tempos em que o poder religioso e o poder político se identificavam condenando os não-crentes à tortura e à morte. Mário Soares tem toda a razão ao dizer que a laicidade é o valor central da república e da democracia, sem o qual a defesa dos direitos humanos e o seu respeito não seriam possíveis, como se comprova nos regimes teocráticos islâmicos.
J Francisco Saraiva de Sousa

domingo, 14 de outubro de 2007

Pobreza de Espírito

Predomina nos meios nacionais ou mesmo internacionais uma concepção redutora do «espírito humano» e das «experiências espirituais». O espírito humano é reduzido à sua dimensão religiosa e os homens religiosos são vistos como pessoas devotadas à «espiritualidade». Não podemos menosprezar a «espiritualidade» de muitos lideres religiosos, mas o espírito humano é infinitamente mais do que capacidade de meditação religiosa ou mística.
Esta reflexão vem a propósito do programa de Fátima Campos, «A Força do Espírito», que já por diversas vezes reduz o espírito à religiosidade. Este facto merece uma leitura política radical e devia ser objecto de uma discussão pública alargada, livre e isenta. As molas que propulsionam esse «espírito religioso» já foram reveladas por Hegel, Feuerbach, Marx, Nietzsche e Freud. Mas, pelos vistos, assistimos a uma regressão cognitiva e, neste momento de ofuscamento espiritual, Fátima Campos, em vez de clarificar a situação, procura dar-lhe cobertura e sedimentá-la, de modo a encobrir o sofrimento nacional e a legitimar a religião. Este é um pacto com o Diabo e o resultado é mais do que previsível: O cardeal de Lisboa vai soluçar nas palavras intercaladas com «apagões cognitivos», o bispo de Fátima-Leiria vai adiar o advento do reino de Deus para o fim dos tempos e o cardeal Saraiva vai beatificar os sacrifícios. Mário Soares vai dizer umas coisas embaraçantes para os socialistas e Marcelo Rebelo de Sousa vai imaginar argumentos bizarros para garantir eternamente o seu tempo de antena.
Que é feito do Espírito? Isto a que vamos assistir é uma apologia do espírito de sacrifício. Neste mundo, é necessário sacrificar a vida na esperança de uma vida melhor no outro mundo: «Autosacrifica-te e serás recompensado no outro mundo». Esta é a escatologia pregada pelos que negam realmente o espírito. Mas contra eles devemos reactivar as forças esclarecidas que trabalham na transformação da sociedade. Sem pão e emprego, o espírito do povo definha e atrofia-se, enquanto o corpo dos corrompidos engorda e a sua mente masturba-se e conspira contra a vida dos outros. Uma bela escatologia que funciona a favor da apologia da luso-corrupção e do poder dominante!
Fátima Campos tinha a obrigação de ter uma visão mais ampla do espírito humano, que, ao contrário do que é insinuado no título do programa, não é assim tão forte, cedendo facilmente perante as encruzilhadas da vida humana. Mas, em vez disso, teima em defender a política do sacrifício e do «apertar o cinto», com falsas promessas de vida melhor. Os convidados não representam as diversas dimensões do espírito humano, sobretudo as mais profundas: aquelas que Hegel revelou na «fenomenologia do espírito», que Cassirer analisa na «filosofia das formas simbólicas», que Ernst Bloch sonha no «princípio esperança» ou que Hannah Arendt testemunha na «vida do espírito». Até a neurociência espiritual menospreza essas dimensões, sempre que, mediante ressonância magnética funcional, procura captar imagens do «cérebro espiritual» apenas dos monges místicos, como se a única espiritualidade possível fosse a experiência da comunhão com Deus, menosprezando o zelo da psiquiatria nesse domínio (isto é, DSM-IV-R que classifica algumas crenças como «síndromes dependentes da cultura»). A ignorância sempre foi a fiel aliada dos poderes instituídos e continua a ser. Portugal não está amordaçado mas profundamente morto! (Não me apetece concluir esta reflexão: Tenho nojo desta sujidade nacional.)
J Francisco Saraiva de Sousa

Regionalização e Democracia Participativa

O sistema luso-corrupto é altamente centralizado e tem a sua sede em Lisboa, donde lança os seus tentáculos que estrangulam e asfixiam o país inteiro, condenado-o à miséria e à servidão. A corrupção e a perversão do luso-poder devem ser combatidas no próprio domínio público e, no que se refere aos remédios contra o abuso do poder público, convém escutar Jefferson.
Com efeito, Jefferson teve o pressentimento de como «poderia ser perigoso permitir ao povo uma comparticipação no poder público sem lhe fornecer ao mesmo tempo mais espaço público do que a urna de voto e com maior oportunidade de fazer ouvir a sua voz em público do que o dia da eleição» (Hanna Arendt). O que Jefferson propunha como a «salvação da república» era, como observa Hanna Arendt, a salvação do espírito revolucionário através da república.
É evidente que a República Portuguesa nunca conheceu realmente um espírito revolucionário genuíno e nunca teve grandes pensadores, mas, apesar disso e do atraso imposto pelo período fascista, ainda podemos aprofundar o espírito republicano, salvar a república democrática e combater a corrupção que a ameaça. A salvação está no domínio público: alargar a esfera pública e permitir que o povo participe nela. A democracia representativa é insuficiente para salvar a república da luso-corrupção, até porque o poder político e as forças partidárias estão profundamente corrompidos e degradados.
É necessário complementá-la com a democracia participativa e isto passa pela regionalização urgente e, mais profundamente, pela criação de «repúblicas elementares». De facto, como dizia Jefferson, a criação de «regiões autónomas» oferece uma melhor maneira de auscultar a voz do povo do que os mecanismos do governo representativo, de resto corrompidos pela má publicidade, pelo poder económico e pela degradação dos partidos políticos. Outras vantagens são o desenvolvimento económico das regiões, a sua afirmação cultural, a criação de órgãos de comunicação próprios, o debate das suas aspirações e problemas regionais, sem serem sufocadas pelos problemas ditos nacionais mas que, no fundo, são os de Lisboa e suas pseudo-elites corruptas, enfim o aprofundamento da democracia participativa a todos os níveis.
Num post anterior, «Luso-Bloggers Metabólicos», a título de comentário irónico, escrevi: «Por momentos, retomei a história dos USA, aplicando a sua chave à leitura da História de Portugal: a luta do Norte pela liberdade contra o Sul esclavagista e explorador, ou talvez possa ir mais atrás a Santo Agostinho e falar do conflito entre a Cidade de Deus, a Invicta, e a Cidade do Diabo, encarnado por Lisboa, de resto a nova Babilónia...». De facto, as autonomias regionais possibilitam a re-escrita da História de Portugal e das suas outras Histórias de Abuso de Poder, as que o Poder Dominante pretende silenciar. Mas devemos ser unidos e cooperativos: criar muitas regiões é deixar tudo na mesma. O Norte de Portugal é uma região deprimida, devido ao centralismo autoritário lisboeta: os corruptos instalam-se em Lisboa e fazem tudo para levar o capital para lá, descapitalizando o país. O dinheiro é o fetiche dos luso-corruptos, que, ao longo do tempo, destruiram as iniciativas liberais do Porto, humilhando a invicta. Aliás, quando no Norte se diz «o Porto é uma nação», o que se exprime é a ânsia pela autonomia radical e uma política genuinamente democrática e socialista deve dar corpo a esse desejo das pessoas. A defesa da autonomia filia o socialismo ao ideal da racionalidade ocidental e faz dele o protagonista de uma democracia radical. Caso contrário, é «socialismo na gaveta», segundo uma das muitas infelizes expressões de Mário Soares.
J Francisco Saraiva de Sousa

sábado, 13 de outubro de 2007

Blogs Interessantes

Tenho adicionado alguns blogues n' «Os Meus Elos» e descobri este blog que recomendo: O Mal Maior. Os outros descobre-os nos meus elos. Apenas refiro mais este meu blog: http://cyberself-neurofilosofia.blogspot.com/, que ainda está no seu início.

O Segredo de Fátima?

ou a Decadência do Espírito.
A Televisão Portuguesa destaca as celebrações de Fátima e não tenho nada contra. A nova Basílica até é interessante em termos arquitectónicos. O que não suporto são as palavras dos altos dignitários da Igreja Católica Portuguesa e a sua propaganda política reaccionária. Um serviço público de televisão não deve dar voz a pessoas das trevas que inventam «milagres» para enganar o povo metabolicamente reduzido, incapaz de fazer uso racional das suas faculdades mentais e cognitivas. Milagres? Meu Deus, já nem precisamos de ler David Hume para não aceitarmos essa ideia obscura!
Um desses homens das trevas fala contra o marxismo e, portanto, contra a democracia e o socialismo. Marx fez em pouco tempo aquilo que a Igreja não fez em séculos obscuros de história inquisitorial: deu pão aos trabalhadores, enquanto a Igreja pactuava com os senhores do sistema de exploração. É preciso compreender que a Igreja Católica merece tanto respeito quanto os grupos terroristas islâmicos: são todos forças do mal que usam todos os estratagemas para manter as pessoas submissas e ignorantes. A caridade não resolve o problema da pobreza e da exclusão social. O segredo de Fátima é o seu uso com fins publicitários. Isso nada tem a ver com Deus: Deus não tem «mãe» e é «único». As práticas beatas da Igreja ofendem Deus na sua dignidade e são blasfémias.
Os socialistas não devem pactuar com estas tentativas totalitárias e obscurantistas que, de resto, bloqueiam o futuro de Portugal (Antero de Quental). Ou a Igreja renova-se e democratiza-se ou teremos de voltar a desmistificá-la, lembrando-lhe vezes sem conta a sua história sanguinária e cruel, sempre contra Deus. Aliás, o plano tecnológico devia contemplar esta dimensão das qualificações e das competências...
(Vamos gozar com o programa de Fátima Campos: «A Força do Espírito», com cinco convidados: três bispos, teologicamente desinformados, Mário Soares e Rebelo de Sousa, todos bem alimentados. Escusado será dizer que o espírito presente será o da gula, contra o qual afirmamos que, sem pão e sem emprego, não há espírito que resista... O espírito dos portugueses definha, definha, enquanto o dos espiritualistas engorda, engorda... sem arrebentar.)
J Francisco Saraiva de Sousa

Sociedade Obscena

Pretendo começar a familiarizar os meus amigos online com o pensamento de um filósofo que lutou pela libertação e pela democracia real: Herbert Marcuse. E recomendo desde já a leitura de uma pequena obra da sua autoria e traduzida em português: «Um Ensaio sobre a Libertação».
Marcuse afirma que a análise crítica da sociedade de consumo exige novas categorias: morais, políticas, estéticas, avançando com a categoria de obscenidade.
«Esta sociedade é obscena em produzir e exibir indecorosamente uma abundância sufocante de mercadorias, ao mesmo tempo que priva largamente as suas vítimas da satisfação de necessidades vitais; obscena em atulhar-se a si própria de bens, enquanto as latas dos seus desperdícios envenenam o mundo dos explorados; obscena nas palavras e nos sorrisos dos seus políticos; obscena nas suas orações, na sua ignorância e na sabedoria dos intelectuais que tolera».
Esta sociedade visada pela crítica de Marcuse é a sociedade portuguesa actual, que temos descrito como uma sociedade metabolicamente reduzida e profundamente corrompida nas suas altas esferas de decisão, e que vista à luz desta categoria moral se revela como uma sociedade imoral. É uma sociedade bloqueada dominada por uma ideologia afirmativa: os portugueses aceitam a agressão e a corrupção como procedimentos normais nos negócios e nos diversos sectores do Estado. Todos conhecem casos de corrupção danosa e alguns bem gritantes são divulgados pelos mass media, mas sem consequências. Os luso-corruptos são completamente obscenos e, mesmo quando publicitados, não reagem com vergonha, ou seja, não transmitem o sentimento de culpa que acompanha a transgressão de um tabu. Perderam a vergonha e o pudor. A sociedade luso-corrupta não tem vergonha. A tolerância portuguesa é simplesmente resignação e conformismo. Os luso-corruptos abusam do poder em benefício próprio e justificam os sacrifícios exigidos aos portugueses alegando que não existem alternativas. Aquilo que Mário Soares gosta de denominar «pensamento único» mais não é do que o «pensamento unidimensional», conceito elaborado por Marcuse que nós preferimos tematizar como pensamento metabolicamente reduzido: «submete-te ao sistema e conduz a tua vidinha como puderes, porque não existem alternativas».
É evidente que uma teoria crítica da sociedade tem dificuldade em lidar com este conformismo afirmativo, pela simples razão de ter como objectivo prático ajudar os homens a mudar qualitativamente a sociedade. Marcuse procurou pensar este conformismo apático das «massas» através de uma síntese entre o marxismo e a psicanálise, aquilo a que se chamou o freudomarxismo. Mas, ao contrário dos outros teóricos críticos (Adorno, Horkheimer), Marcuse valorizou em Freud o seu biologismo (a teoria das pulsões ou instintos), o que lhe permitirá pensar uma «base biológica para o socialismo».
Esta ideia seminal de Marcuse é muito actual no nosso tempo, sobretudo se abandonarmos a psicanálise e a substituirmos pelas ciências biológicas, em particular pelas neurociências. É necessário repolitizar a mente e o corpo dos indivíduos e levá-los a revoltar-se contra o poder instituído. Utopia? Claro, sem utopia não podemos desconstruir a ideologia que se encontra incorporada no próprio processo de produção e de consumo. A luta deve ser travada dentro dos próprios indivíduos, antes de virem para a rua. «Uma revolta na qual o organismo todo, a própria alma do ser humano, se torna político. Uma revolta das pulsões de vida contra a destruição organizada e socializada».
Este conceito marcuseano de uma base biológica para o socialismo pode ser repensado a partir de um outro conceito que lançou, sem no entanto apreender todo o seu alcance: «Além e acima do nível animal, os seres humanos são maleáveis, corpo e mente, até mesmo na sua própria estrutura pulsional». Lorenz, o fundador da escola objectiva de etologia, compreendeu isso: a estrutura instintiva humana pode ser modificável. A repolitização da alma e do corpo encontra nesta estrutura maleável dos instintos humanos a sua possibilidade de «sucesso», desde que saiba destruir o espírito de má publicidade que domina a sociedade de consumo.
Na sociedade de consumo, «a satisfação está sempre ligada à destruição. A dominação da natureza está ligada à violação da natureza. A procura por novas formas de energia está ligada ao envenenamento do ambiente. A segurança está ligada à servidão, o interesse nacional à expansão global. O progresso técnico está ligado ao controle e à manipulação progressivos dos (próprios) seres humanos» (Marcuse).
O sistema destrutivo domina-nos reduzindo-nos a animais, ou seja, a seres metabolicamente reduzidos que não precisam de pensar para viver. Fomenta a ignorância activa, em vez do conhecimento, de resto desqualificado quando reduzido a meia dúzia de algoritmos que se aprendem para executar uma tarefa remunerada que possibilita ao organismo viver e reproduzir-se, sem transcender a sua mera condição de animal. Numa sociedade metabolicamente reduzida, a democracia faz parte das obscenidades do sistema. O ser metabolicamente reduzido aprende a dizer que é livre e, nesse acto, torna-se cada vez mais escravo do sistema de publicidade. Para ele, ser é comprar e consumir e nada mais existe para além desse horizonte metabolicamente reduzido. O sistema produz-se e reproduz-se sem oposição real.
Por hoje limito-me a tentar encontrar novas vias de fuga desta prisão, num diálogo com um mestre meu da adolescência: Herbert Marcuse. Mas ainda falta muito trabalho teórico a realizar. Pelo menos, penso ter espevitado o apetite pela leitura do Mestre.
J Francisco Saraiva de Sousa

sexta-feira, 12 de outubro de 2007

Catedráticos da Merda

A luso-filosofia académica refugia-se por detrás de títulos e impõe-se no deserto através de cátedras corruptamente obtidas. Organiza os seus congressos, conferências ou colóquios, onde os chamados «Professores Doutores» lêem textos copiados dalgum arquivo velho e decadente. E, como são visceralmente incompetentes e geneticamente néscios, dedicam-se à destruição dos poucos portugueses que ousaram pensar, por vezes estabelecendo ligações com filósofos profissionais internacionais que desconhecem.
Todos somos responsáveis por alimentar estes luso-catedráticos da merda. Eles não merecem ser tratados por títulos académicos conspirados em quartos escuros, obtidos por trabalhos da merda, muitos publicamente visíveis. Os portugueses merecem outros intelectuais que não temam ser tratados pelos seus nomes reais.
Por isso, retomando um termo grato a Herbert Marcuse, a Grande Recusa, desafio os portugueses a tratar estes luso-académicos da merda pelos seus nomes. Se eles ripostarem autoritariamente e com ameaças, reduzam-nos à sua mediocridade, começando por não assistir às suas sessões de porca masturbação mental.
Convém relembrar aqui o início da célebre obra de Gilles Deleuze e Félix Guattari, O Anti-Édipo: Capitalismo e Esquizofrenia:
«Isto funciona por toda a parte: umas vezes sem parar, outras descontinuamente. Isto respira, isto aquece, isto come. Isto caga, isto fode. Mas que asneira ter dito o isto. O que há por toda a parte são mas é máquinas, e sem qualquer metáfora: máquinas de máquinas, com as suas ligações e conexões».
De facto, as máquinas desejantes academicamente auto-intituladas apenas desejam uma coisa: agarrar um tacho, se for masculina, ou um poleiro, se for feminina, mesmo que para isso tenham de usar a tal máquina-órgão e ligá-la à tal máquina-órgão da maquinaria instalada, criando um fluxo de energia luso-corrupta.
Maldita estirpe! Estas máquinas produzem o fluxo da lusa-corrupção, ao mesmo tempo que cortam a energia das fontes que poderiam renovar energeticamente o sistema. Contudo, podemos boicotar este fluxo de energia luso-corrupta, denunciando a sua gula, na esperança de que o governo tome medidas que nos livrem de vez destas máquinas dotadas de «ânus solar».
J Francisco Saraiva de Sousa

quinta-feira, 11 de outubro de 2007

Rui Rio: Pensar Grande

Por uma questão de compromisso político, não votei em Rui Rio, mas no candidato do Partido Socialista. Mas, como honro sempre a verdade, aqui estou para dar força a Rui Rio, Presidente da Câmara do Porto, e reconhecer o excelente trabalho que está a fazer pela nossa cidade invicta.
Este foi, como recorda Rui Rio no seu editorial da revista Porto Sempre, «o seu melhor ano turístico de sempre, com eventos que arrastaram milhares de pessoas e projectaram ainda mais a cidade no mundo», em particular São João do Porto, a mais popular e mais emblemática festa portuense, Circuito da Boavista, o «Grande Prémio Histórico do Porto, Red Bull Air Race, a «fórmula 1 dos aviões» ou mesmo Porto Sounds, a música «made in Portugal».
A aposta no turismo está a dar os seus resultados positivos. Até Agosto deste ano, 137 000 turistas visitaram o Porto, mais 32 000 do que no mesmo período de 2006 (mais 11,2%). A requalificação das zonas históricas, nomeadamente da Baixa, e áreas urbanas novas, são factores que contribuem para atrair turistas. O Metro do Porto, a construção dos Estádios do Dragão e do Bessa, a Casa da Música, Serralves, a recuperação e criação de zonas verdes, as obras do Aeroporto Sá Carneiro, com excepção do chamado «espelho de água» da Avenida dos Aliados, foram obras que requalificaram a cidade e que fazem dela a cidade mais bela de Portugal.
Força, Rui Rio! Nada de ceder aos interesses mesquinhos dos moradores que procuram bloquear a construção da futura Avenida Nun'Álvares, um projecto que vai ligar a Praça do Império à Avenida da Boavista, assumindo-se como alternativa à marginal marítima, que, deste modo, ficará reservada para funções de lazer. Apenas não compreendo a razão de ser desse nome dado a uma Avenida da Invicta, a capital do Norte!?
J Francisco Saraiva de Sousa

Democracia Electrónica: Um esquema

Os textos que tenho publicado aqui revelam claramente que sou um adepto prudente da democracia electrónica: acredito que as comunidades virtuais podem ajudar os cidadãos a revitalizar a democracia, mediante a participação responsável na esfera pública alargada a todos e liberta da comunicação manipuladora.
No entanto, sou herdeiro de uma constelação teórica que tem sido e ainda continua a ser muito crítica em relação aos efeitos da comunicação mediada por computador, mas sobretudo em relação aos media electrónicos: refiro-me evidentemente à teoria crítica e à Escola de Frankfurt. Por isso, e dado que não negligencio os seus receios legítimos, pretendo editar textos dedicados a três grupos de cépticos e analisar os seus argumentos, de modo a clarificar o próprio conceito de democracia electrónica.
Acredito no potencial democratizador das telecomunicações e dos computadores e, escutando as vozes que se fazem ouvir num vasto conjunto de blogues, defendo a ideia básica de que a comunicação mediada por computador leva aos cidadãos responsáveis alguns poderes dos mass media, detidos pelos mandarins da política e da economia, reabilitando democraticamente a esfera pública. A comunicação mediada por computador é potencialmente uma tecnologia democratizante e, por isso, estou empenhado na luta contra todas as tentativas de feudalizá-la ou colonizá-la abusivamente, contra os interesses reais dos cidadãos, que o jornalismo manipulatório tenta converter em leitores-consumidores.
As criticas sociais às novas tecnologias podem ser agrupadas em três frentes teóricas, intimamente relacionadas umas com as outras ou, pelo menos, complementares: a teoria da indústria cultural e a sua reformulação por Habermas (1), a teoria panóptica do poder de Michel Foucault, de resto inspirada em Jeremy Bentham e seu projecto prisional (2) e a teoria hiper-realista nas suas diversas versões, a de Guy Debord ou a de Jean Braudillard (3). Estas críticas são pertinentes e merecem ser escutadas e pensadas. Como já as meditei, ao longo de inúmeras aulas e seminários de «teorias da comunicação social», posso dizer que a comunicação mediada por computador pode ser o veículo privilegiado para a realização dos «ideais» que norteiam a crítica da sociedade. Mas, como num mundo global, nada está estabelecido definitivamente, é necessário reflectir nas ameaças sugeridas pelos restantes cépticos e estar preparado para fazer face a elas sempre que surjam no horizonte.
J Francisco Saraiva de Sousa

Quadratura do Nada

Hoje (10 de Outubro de 2007), na «Quadratura do Círculo», Jorge Coelho disse tudo: os seus «companheiros» de debate discutem assuntos completamente desfasados da realidade. E o apresentador, Carlos Andrade, fez questão de relembrar que o defunto homenageado, além de político, tinha sido jornalista, como se essa informação abonasse a favor do dito cujo que, de resto, desconheço, tal como Pacheco Pereira.
Estão sem ideias e, por isso, criam ficções na SIC FICÇÕES, em torno das suas supostas amizades académicas (Lobo Xavier) ou do seu blogue (Pacheco Pereira). Pacheco Pereira mostrou que era um intelectual, sem ambição ou vocação de líder político, e ainda bem, mas espero que a sua intelectualidade não se esqueça da empiria.
Não vale a pena comentar esta «autopropaganda» ou «autopromoção» narcisista, que Baumeister, talvez com razão, associa aos comportamentos de abuso.
J Francisco Saraiva de Sousa

quarta-feira, 10 de outubro de 2007

Colonização da Blogosfera Portuguesa?

Não pretendo escrever um manifesto contra os auto-intitulados «históricos» da blogosfera portuguesa, mas desmistificar a sua ideologia metabolicamente reduzida, que, em termos políticos, é uma «velha senhora» já nossa conhecida.

Seguiremos três vias selvagens que não serão elaboradas exaustivamente e com o rigor filosófico que merecem:

1) Os auto-intitulados históricos não fazem ideia do que significa «história». Os verdadeiros fazedores de história digital criaram as novas tecnologias da comunicação que todos usamos e disponibilizaram os instrumentos e serviços necessários que nos possibilitam ter acesso a determinados serviços e sem custos significativos. Apesar do carácter empresarial destas iniciativas americanas, a verdade é que elas abriram-se a todos, à escala do mundo global, e podem ser usadas para a defesa da democracia contra as forças obscurantistas das trevas e do mal.
A Internet é efectivamente um meio democrático, porque, ao contrário doutros meios de comunicação social (TV, rádio, jornais), possibilita uma diálogo, pondo termo ao modelo unidireccional de comunicação. Ora, os «históricos» são meros utentes desses serviços disponibilizados pelas grandes empresas da comunicação, mas são utentes que desejam colonizar artificialmente esses serviços, de modo a impor uma comunicação processual que rouba o acesso à palavra por parte dos outros utentes reduzidos a «leitores». Encaram os seus blogues como «feudos» e, como não conseguem acompanhar o sentido das inovações tecnológicas, criam «confederações» de bloguistas, cujo objectivo é colonizar a chamada «web social» e tentar bloquear a visibilidade dos outros bloguistas portugueses, que usam estas funcionalidades para outros objectivos mais nobres e libertos da preservação de uma vida metabolicamente reduzida.
Se na América se fala na «tirania da maioria» (Alexis de Tocqueville), em Portugal podemos falar na «tirania da minoria»: meia dúzia de pessoas tenta desesperadamente silenciar a voz dos cidadãos portugueses, como se fossem os seus porta-vozes definitivos. Ora, a Internet abre as portas a todos e deita abaixo todos os muros. Pela primeira vez na história, todos os mortais têm acesso à palavra e podem participar na esfera pública, sem mediações corrompidas que nunca representaram as verdadeiras aspirações dos portugueses. Contra esse colonialismo blogosférico, lutaremos até vencer. Queremos democracia real e não uma esfera pública online refeudalizada e colonialista!

2) Tal como fazem os funcionários públicos ameaçados pelas reformas excelentes iniciadas por este governo, os «históricos» defendem um suposto «direito adquirido», que só existe nas suas cabeças. Eles não fazem história, até porque não têm conhecimentos suficientes para captar o sentido das novas tecnologias ou o sentido da sua história: bloqueiam ou tentam bloquear a história democrática e matar a inocência do devir! «Direitos adquiridos» na blogosfera constituem um atentado contra a democracia online e a sua defesa corporativista é simplesmente blogofascismo. Mas o sentido desta «acção» é previamente conhecido: os «históricos» não querem partilhar aquilo que não lhes pertence. A blogosfera não lhes pertence e, portanto, não têm «direitos adquiridos». E, se alguma lei protegesse esses supostos direitos, teríamos de lutar contra ela, tal como os revolucionários da Revolução Francesa ou da Revolução Americana lutaram pela libertação. Aquilo que eles temem é a concorrência e a própria democracia. Com efeito, para eles, «democracia» significa confiscar a palavra dos outros: «Eu escrevo, tu lês...». Todas as tiranias são insuportáveis, mas a tirania da mediocridade é a mais terrível de todas.

3) Os «históricos» pretendem subverter o sentido das palavras e usam certos termos num sentido metabolicamente reduzido. Um desses termos é o de info-exclusão ou mesmo o de info-analfabetismo. Afirmam que a maioria dos utilizadores da Internet usa o computador como «máquina de escrever» e acusam certos bloguistas de não cuidarem da «imagem» dos seus blogues. Eles pretendem ser info-informados, os outros são info-analfabetos. O que eles não percebem é que os pejorativamente chamados «leitores» interessam-se mais pelo conteúdo e pela sua qualidade do que pelas «embalagens», repletas de publicidade e citações desvirtuadas, dos blogues. A info-exclusão é um conceito sociológico e, portanto, político, que se combate nas escolas e com o acesso de todos às novas tecnologias da informação e comunicação.
É evidente que esta crítica não se dirige a todos os bloguistas portugueses, cujos nomes merecem figurar na história da blogosfera portuguesa, mas somente àqueles que pretendem monopolizar, refeudalizar ou colonizar a blogosfera, chamando-lhe Web Social, de resto pensada à dimensão do cérebro de LILLI.
Prevejo que a sociedade do futuro irá dispensar o jornalismo medíocre e a chamada «opinião pública» e, se isso suceder, representará mais uma vitória da Democracia participativa.
J Francisco Saraiva de Sousa