quinta-feira, 22 de novembro de 2007

A SIDA é uma Metáfora?

Susan Sontag é uma crítica literária excelente e erudita, uma mulher da elite intelectual americana, infelizmente já falecida, que sempre deu a cara para defender causas nobres. Contudo, nem sempre defendeu essas causas da maneira mais correcta e uma dessas causas foi precisamente a Sida. As suas obras «Illness as Metaphor» e «AIDS and its Metaphors» são exemplos disso.
A sua tese fundamental de que a «doença é uma metáfora» produz «efeitos sociais», mas carece de substância teórica, apesar da cultura filosófica que Sontag exibe quando trata destes assuntos. Isto significa que o discurso de Susan Sontag sobre as doenças estigmatizantes, como por exemplo a Sida, o cancro, a sífilis ou a tuberculose, não produzem efeitos teóricos, isto é, não acrescentam a esses «objectos» as determinações do seu conhecimento científico. Trata-se, portanto, de um discurso ideológico elaborado para ter efeitos ideológicos nos seus receptores, levando-os a agir contra a discriminação. Porém, este tipo de crítica social faz um uso abusivo de uma teoria de Marx, aquela que visava libertar o proletariado da exploração a que foi submetido durante a Revolução Industrial, procurando minar os conhecimentos médicos, em particular a imunologia, através da análise da sua linguagem técnica vista à luz das ideologias que Sontag procura demolir.
Esta análise de Sontag teria algum interesse científico e filosófico se ela tivesse sabido aplicar a teoria da ideologia, de modo a traçar linhas de demarcação entre as teses científicas e as teses ideológicas, com o objectivo teórico e político de mostrar e desconstruir o modo como os conhecimentos científicos são apropriados e sistematicamente distorcidos pelos poderes instituídos, visando a discriminação de determinados grupos sociais, e o modo como a ideologia dominante se insinua no seio do discurso científico ou mesmo profissional dos próprios médicos e agentes da saúde, para denunciar a ideologia espontânea dos médicos. Mas, em vez disso, parece que Sontag acredita mesmo na sua «teoria»: a doença é uma metáfora, sem se aperceber que esta sua tese colide com a sua noção de doente. Se o doente é aquele indivíduo que sofre, por causa de uma patologia que o ameaça de morte e lhe inflige dores, então a sua doença (ainda que estigmatizada) não pode ser vista como uma metáfora e o seu tratamento não é seguramente outra metáfora belicista e militar, embora possa ser muito invasivo e «agressivo».
É certo que Sontag poderia contrapor a este argumento que as metáforas da doença produzem um acréscimo de sofrimento, psicológico e social, muitas vezes, como sucedeu com o grupo dos homossexuais no início da epidemia da Sida, legitimando formas intoleráveis de discriminação, mas isto é que deveria constituir verdadeiramente o objecto de estudo de Susan Sontag: a ideologia que usa a doença para discriminar e estigmatizar certos comportamentos que não tolera e a sua presença subtil ou não no seio da própria comunidade médica. Há, portanto, uma ideologia médica espontânea que urge desmistificar, até porque diversos estudos têm demonstrado que os estudantes de medicina são os mais preconceituosos de todos os estudantes universitários e que esse preconceito é posteriormente reforçado pelas normas da Ordem dos Médicos ou Associações Médicas.
Mas até mesmo este tipo de estudo deve estar atento aos próprios comportamentos dos grupos estigmatizados. No caso do grupo dos homossexuais ou dos toxicodependentes é preciso reconhecer que são efectivamente grupos de risco: a promiscuidade sexual é uma norma, isto é, um estilo de vida predominante, entre os homossexuais, que, apesar de estarem relativamente bem informados, tendem a não usar o preservativo, até mesmo nos encontros sexuais ocasionais. Aliás, este problema é geral: os portugueses não usam o preservativo, como demonstram as estatísticas nacionais referentes à Sida (seis casos por dia) e tantas outras doenças sexualmente transmissíveis (DST). Depois de serem infectados, encobrem a sua «doença», sem evitar novos encontros sexuais e procuram apoio médico longe da sua área de residência.
Este post vem a propósito do caso recente de um empregado hoteleiro (cozinheiro) ter sido afastado do seu emprego por causa de ser portador do vírus da Sida. Discriminação? Não sei se é ou não é discriminação, mas a verdade é que devemos zelar pela saúde pública.
(Desenvolverei a teoria de Susan Sontag no meu blogue «CyberBiologia e CyberMedicina». Para compreender melhor esse problema, pode ler Ecologia Social dos Comportamentos Gay. Repare que as campanhas de luta contra a Sida se limitam a aconselhar o uso do preservativo, sem questionar a promiscuidade sexual!)
J Francisco Saraiva de Sousa

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