terça-feira, 11 de outubro de 2011

Prós e Contras: Austeridade não basta

Depressão
«A ignorância do passado não se limita a prejudicar o conhecimento do presente; compromete, no presente, a própria acção». (Marc Bloch)


Hoje a perplexidade tomou conta de mim enquanto escutava os intervenientes do debate Prós e Contras (10 de Outubro), moderado por Fátima Campos Ferreira: Manuel Pedro de Magalhães (médico), Elísio Estanque (sociólogo), Paulo Trigo Pereira (economista), Pedro Lains (economista), Manuel Forjaz (economista) e Américo Baptista (psicólogo) deram voz à cidadania para discutir a triste situação portuguesa.  Há, no entanto, uma ideia que desejo expressar desde já: a Felicidade tão aplaudida por Américo Baptista para justificar o emprego dos psicólogos - aumentando a despesa sem trazer ao mundo qualquer tipo de mais-valia ôntica - é a ideia mais desgraçada alguma vez inventada pela humanidade. A procura da felicidade é o caminho mais curto para o insucesso, a frustração e a desgraça. A expressão Economia da Felicidade é um oxímoro: o resultado dessa tentativa néscia de colocar a economia e a sociedade ao serviço desse X que é a felicidade é uma espécie de economia libidinal, uma economia em que há emprego mas não há trabalho, uma economia em que se consome mais do que se produz, uma economia em que há mais direitos do que deveres e obrigações, enfim uma economia ociosa em que os empregados utilizam as novas tecnologias para conquistar novos parceiros sexuais, o que só por si evidencia que não são pessoas saudáveis e realizadas. O quadro económico e financeiro esboçado por Paulo Trigo Pereira denuncia a irracionalidade deste tipo de economia mágica que foi implementado em Portugal nas últimas décadas, pelo menos desde a sua adesão à CEE (Pedro Lains). Quase todas as políticas públicas promovidas para aumentar artificialmente o bem-estar dos portugueses tiveram um efeito contrário ao pretendido: geraram e agravaram a pobreza material e a indigência cognitiva e produziram um país improdutivo, consumista, alucinado, alienado nas e pelas novas tecnologias e, facto curioso!, deprimido. Em vez de superar o seu atraso estrutural e histórico, Portugal lançou-se num empreendimento de suicídio colectivo: o endividamento, a fórmula mágica escolhida para simular ser aquilo que nunca foi - um país estruturalmente desenvolvido, levou-nos à crise profunda que vivemos. O Estado altamente protector (Elísio Estanque) construído pelos portugueses nestas décadas de alucinação colectiva bloqueou a sociedade portuguesa. Portugal vai empobrecer significativamente nos próximos anos, como frisou Paulo Trigo Pereira. As medidas propostas por Manuel Pedro de Magalhães - aumentar o número de horas de trabalho, de modo a melhorar a produtividade, e a punição, tendo em vista premiar o mérito - justificam-se desde que enquadradas num novo projecto de desenvolvimento económico e cultural nacional. 


Agora que nos libertámos das estatísticas dos indicadores de felicidade, podemos demolir outros mitos. Dizem que hoje as novas gerações estão mais preparadas do que as gerações anteriores, como se o aumento do número de diplomados e de sobre-diplomados significasse maior competência. Ora, todos sabemos que o sistema de ensino entrou em crise há muito tempo: as universidades produzem diplomas em série e, hoje em dia, até mesmo um "atrasado mental" pode obter facilmente um diploma. Diplomar artificialmente os portugueses não foi e não é uma política racional. Sou solidário com os protestos de rua organizados pelos movimentos dos indignados, mais por razões ideológicas do que por razões de confiança na sua capacidade para alterar qualitativamente o mundo: sei que os seus membros não possuem conhecimentos efectivos e capacidade crítica; os seus diplomas não garantem a sua qualificação. Bolonha produziu um aborto monstruoso: um número excessivo de diplomados sem qualificações, isto é, de analfabetos diplomados. O problema dos mais jovens, muitos dos quais ainda fingem ser "ricos", como se no mundo de amanhã fosse possível continuar a viver da magia da engenharia financeira, é o desemprego. Em Portugal, as empresas não produzem empregos suficientes e, muito menos, empregos para pessoas alucinadas e iludidas com as suas próprias capacidades, direitos e competências. O emprego duro poderia funcionar como uma escola de reaprendizagem, dando-lhes aquilo que não receberam na sua escolarização formal: algumas competências, alguns conhecimentos, alguma experiência de vida. A falsa qualificação das gerações mais jovens não garante o futuro de Portugal. A maior parte deles sonha com o emprego "seguro" nalgum sector do Estado: eles desejam prolongar a carreira que os seus pais e avós fizeram na função pública, sem terem consciência de que o Estado ficou cativo da geriatria instalada, a qual lhes hipotecou o futuro. A situação é completamente negra, e o aumento da idade da reforma, em vez de libertar o futuro, nega-o em nome da própria inviabilidade, como demonstrou Paulo Trigo Pereira: o aumento da esperança de vida é, nestas circunstâncias, letal para o futuro de Portugal e da Europa. Manuel Forjaz acha graça ao facto dos "nossos filhos poderem vir a viver até aos 95 anos", esquecendo que para isso seria necessário conservar a qualidade dos serviços prestados pelo SNS. A sua formação económica tolda-lhe a mente, impedindo-a de antecipar cenários futuros, com conhecimento do passado. Quando aconselhou o seu filho a aprender chinês, o único cenário que brilhou na sua mente foi a catástrofe do Ocidente: o triunfo da China sobre um Ocidente envelhecido. Porém, Manuel Forjaz ventilou outra ideia que favorece o ocaso do Ocidente: o discurso contra as Humanidades, aquilo a que chamou as ciências humanas, que, segundo ele, não dão emprego. Bem, o ensino das Humanidades foi vítima da irracionalidade das políticas da educação, mas não é este aspecto que me preocupa aqui: Manuel Forjaz esquece que não são as "ciências técnicas" que dão sentido ao mundo; pelo contrário, desde que se apostou exclusivamente nelas, a marcha do mundo para a catástrofe não tem parado de acelerar o seu passo. Aquilo que garante a unidade da matriz da civilização ocidental são as Humanidades e, de modo especial, a Filosofia, a ponto de podermos dizer que o Ocidente é uma invenção filosófica. O que nos deve preocupar neste momento de crise é o facto de algumas potências emergentes adoptarem a ciência e a tecnologia do Ocidente abdicando da sua Filosofia. A minha perplexidade deve-se ao facto dos convidados de Fátima Campos Ferreira mostrarem desconhecer a nossa História: o imediatismo - em associação com o egoísmo atroz - paralisou a única actividade nobre do homem - o pensamento. A crise de valores de que tanto fala Fátima Campos Ferreira mais não é do que a crise de sentido. Um futuro sem pensamento: eis o rosto do próprio terror!

J Francisco Saraiva de Sousa

3 comentários:

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

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J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Hoje o Blogger está com muitas dificuldades de edição, o que me impede de desenvolver certos conceitos. :(

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Prometo aos angolanos escrever alguma coisa sobre a História de Angola, mas neste momento não posso desviar mais dinheiro para aquisição de novos livros. Com tempo escrevo... já andei a pesquisar.