segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Dossier Filosofia Médica (4)

Mais ideias sobre Filosofia Médica nas suas relações com a Psiquiatria:

1. Hoje tenho passado o dia chuvoso a estudar psiquiatria portuguesa e americana. tendo relido uma conferência dada por Goffman a uma audiência de psiquiatras. A psiquiatria tem um passado macabro que revejo no excesso de autoridade dos psiquiatras portugueses, desde o século XIX até ao 25 de Abril. Conheço de perto a síntese antropológica da medicina proposta pela psiquiatria portuguesa, embora não a entenda teoricamente. Devemos combater o imperialismo psiquiátrico no seio da medicina: não acredito na eficácia das psicoterapias e os novos ramos da psiquiatria - psiquiatria comunitária, psiquiatria geriátrica e psiquiatria forense, entre outros ramos - estão claramente ao serviço da manutenção do status quo.

2. Os profissionais da saúde mental temem a desmedicalização da psiquiatria. Em Portugal, a recepção do movimento da antipsiquiatria foi muito má: todos temiam ficar sem emprego. "A violência em psiquiatria é preeminentemente a violência da psiquiatria" (David Cooper), isto é, a subtil e tortuosa violência perpetrada pelos outros, pelos "sadios", contra os rotulados de loucos. A neurocirurgia praticada por EGAS MONIZ foi um acto de violência da psiquiatria. Qualquer história arqueológica da psiquiatria devia ter um capítulo final consagrado à "Violência e Psiquiatria". 

3. Infelizmente, não temos um bom estudo sobre a vida e obra de EGAS MONIZ: os portugueses não sabem fazer análises finas do pensamento daqueles que pensaram neste ermo que é Portugal. Já escrevi 3 ou 4 textos sobre a homofobia de Egas Moniz: a sua prática psiquiátrica é pura violência da psiquiatria. A destruição de partes do encéfalo é mais devastadora do que o encarceramento dos loucos. Egas Moniz comportou-se como um psiquiatra fascista.

4. Ontem, num piso inferior do Shopping do Bom Sucesso, foi brutalmente assassinado um homem gay que tinha marcado um encontro clandestino: a busca compulsiva de parceiro sexual levou a um encontro com a morte brutal. Ora, o crime do Bom Sucesso traz à baila o estilo de vida promíscuo dos homens homossexuais. A busca compulsiva de novos parceiros sexuais coloca em perigo a vida dos homens homossexuais, não só em termos de doenças sexualmente transmissíveis, mas também em termos de saúde mental e de criminalidade: sexo casual é sinónimo de encontro com a morte. A comunidade homossexual exibe um vasto espectro de perturbações mentais: o modelo de intervenção psiquiátrica junto da comunidade homossexual é relevante para a Filosofia Médica. A psiquiatria comunitária pode ser avaliada a partir deste modelo de intervenção psiquiátrica.

5. E. Goffman caracterizou o Hospital Psiquiátrico como uma instituição total, dando destaque ao seu "ciclo metabólico": a entrada ou recrutamento, a mastigação e o regurgitamento dos seres humanos. A analogia biológica chocou os psiquiatras, bem como M. Mead, a qual alegou que o ser humano não é um excremento ou um vómito. Porém, a mesma analogia foi usada por David Cooper: «No hospital psiquiátrico tradicional, actualmente, a despeito da proclamação de progresso, a sociedade consegue o melhor de ambos os mundos - a pessoa, que é "vomitada" para fora da família, para fora da sociedade, é "engolida" pelo hospital e, então, digerida e metabolizada, fora da existência como pessoa identificável. Creio que isto deve ser encarado como violência». 

J Francisco Saraiva de Sousa

1 comentário:

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

O mundo da psiquiatria é muito complexo. Por exemplo, a psiquiatria forense coloca muitos desafios à filosofia dado o seu cruzamento com a Lei.